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Carta de princípios da R.A.L.E. (Rede Autônoma de Luta pela Educação)

Carta de princípios da R.A.L.E. (Rede Autônoma de Luta pela Educação)

Novembro 19, 2017 - 14:53
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CARTA DE PRINCÍPIOS DA RALÉ (Rede Autônoma de Luta pela Educação)

Anticapitalismo

Somos anticapitalistas porque somos contrários a toda e qualquer forma e instrumento de produção e reprodução de desigualdades em nossa sociedade. Utilizamo-nos da história para compreender que, na materialidade, as relações econômicas e de poder foram criadas, ao mesmo tempo em que foram criadas as ideias, as estruturas e as leis de nossos tempos. E que, sendo criadas em meio a disputas de interesses e visões de mundo, consideram a luta entre classes sociais distintas: os exploradores e os explorados, os opressores e os oprimidos, os privilegiados e os submetidos pela força e pela persuasão.

Tamanha é a intensidade destes antagonismos que, ao longo da história, investiu-se ao máximo para escondê-los, camuflá-los, propagandeando a existência de igualdade, ao mesmo tempo em que se reforça uma política de marginalização da maioria. Na realidade da vida, no cotidiano de nossas ações e pensamentos, no transporte, na saúde, educação, na moradia, no acesso aos bens da cidade, inevitavelmente sentimos o peso destas contradições, em formato de sentimento de injustiça. Mas impõe-se a cada dia uma escolha. A escolha da aceitação, e da manutenção do poder dos coronéis de sempre, ou a escolha do enfrentamento — escolha que implica minimamente em nos reconhecermos unidos enquanto trabalhadores e trabalhadoras que somos, e organizados na luta contra a exploração e a opressão do capital.

Diversos são e sempre serão os instrumentos de poder desenvolvidos pelos privilegiados do mundo. Esconder que por detrás do aparente preço das coisas há trabalho, e que por detrás do trabalho há produção de mais-valor; que o poder emana da propriedade privada; que o objetivo central da exploração é a acumulação de capital; que, seja no campo ou na cidade, trabalhadores são assassinados em massa, perseguidos e presos; que somos coisificados permanentemente, ao mesmo tempo que mercadorias se tornam valorizadas tão mais que sujeitos; que se constrói a aparência de escolha para uma vida inteira de cartas marcadas; que por detrás da ideia de mérito, moram o dinheiro, o tempo, o incentivo, a rede de amizades, o acesso a bens materiais e imateriais, de forma geral; que existem aparelhos estatais e não-estatais criados para a manutenção de hegemonia; dentre tantas outras estratégias construídas e reproduzidas ao longo dos séculos pelos capitalistas, são fundamentais para que pensemos numa forma de existir no mundo com base exclusivamente nos parâmetros do capital, e em nenhum outro mais. Pensar e agir, portanto, por fora da caixinha, acreditar que outra sociedade é possível, para além destes preceitos, construir um outro mundo aqui e agora, é não tão somente seguir princípios anticapitalistas, como essencialmente se constituir enquanto ser revolucionário, ser emancipador de uma vida, por hora, tão somente mercantil.

A cada novo golpe contra o muro que nos foi imposto, uma nova rachadura nascerá, até que o muro inteiro desabe ao chão.

Objetivo e caráter da R.A.L.E.

Nós, da R.A.L.É — Rede Autônoma de Luta pela Educação, somos um movimento social sem vínculos partidários que unifica indivíduos e grupos a partir dos princípios de nossas ações e de deliberações táticas coletivas que nortearão, em parte, a política a ser desenvolvida. Nossa arena de luta se dá sobre o campo da educação, por compreendermos este campo enquanto um conjunto de processos, formais e informais, de socialização de indivíduos, outrossim, de maneira indissociável a dinâmica do trabalho, enquanto fenômeno social localizado no contexto histórico que vivemos, e portanto no contexto do modo de produção capitalista. Afinal, como a classe trabalhadora vem sendo educada nas escolas públicas, e para quê? Como a classe trabalhadora vem sendo educada fora dos espaços escolares? Que tipo de experiências podem contribuir para o despertar de uma análise política, econômica e histórico-crítica sobre a nossa sociedade? Que tipo de trabalho vem sendo exigido dos profissionais da educação? Como os funcionários técnicos, administrativos e terceirizados vem sendo tratados nestes espaços? Como eles vêm sendo incorporados nas organizações e na luta por direitos trabalhistas? Qual o papel da organização sindical e dos movimentos estudantis na luta de classes? Absolutamente todas estas questões nos interessam, em especial, como a luta política também se constitui enquanto um momento fundamental e libertador de aprendizagem, mediante às investidas do capital pelo ensino permanente da disciplina, do apassivamento e da docilização dos oprimidos e oprimidas. Desta maneira, buscamos agregar em nosso movimento a pluralidade de experiências e vivências na educação, e uma postura permanente de respeito e acolhimento às questões colocadas internamente pelos seus membros, bem como externamente. Visamos, enfim, aprender uns com os outros, com as contradições que nos estão colocadas pela estrutura sócio-econômica, com o momento histórico (sem perder de vista a sua relação com o horizonte de transformação radical dessas mesmas estruturas) e, sobretudo, visamos propagar ecos de solidariedade e organização de classe.

Nesse sentido, consideramos os sindicatos como instrumentos fundamentais que contribuem para a organização, mobilização e fortalecimento da luta da classe trabalhadora, desde que articulados com os movimentos sociais populares. Tanto devem atuar dentro de uma perspectiva interseccional, combatendo as opressões de gênero, raça e classe, dentre tantas outras formas de opressões, como devem buscar articulações com os trabalhadores/as terceirizados, informais e desempregados.

Interseccionalidade

Esta forma de analisar a dinâmica das relações entre os indivíduos e grupos diferentes nos é importante fundamentalmente porque: 1) politiza o cotidiano comumente naturalizado; 2) compreende que diferentes tipos de opressões podem se acumular, aprofundando os abismos das desigualdades e gerando relações de privilégios que precisam ser consideradas nas análises conjunturais e estruturais. Em linhas gerais, a perspectiva interseccional defende que, necessariamente, para se compreender um acontecimento ou uma prática, é preciso compreender a relação entre os fenômenos relativos ao âmbito do poder que recaem sobre a mesma. Assim, as questões relativas ao debate de gênero e sexualidade, as desigualdades raciais e os conflitos de classe necessariamente precisam ser compreendidos na sua relação e interseção, não cabendo a nós a defesa de que uma opressão é mais importante ou impactante que outra (hierarquização de opressões) ou muito menos afirmar que, resolvendo-se uma destas, como a questão de classe, quase que imediatamente as demais questões opressivas poderiam ser superadas, em consequência.

Desta forma, por meio da perspectiva interseccional, o nosso coletivo ratifica o compromisso de contribuir para o combate de qualquer forma de opressão, compreendendo que isto requer exercício e vigilância permanente de nossa parte para conosco mesmo, e o compromisso de desenvolver uma análise dialética entre os âmbitos individual, de classes e estruturas, visando fundamentalmente superar o ciclo reprodutivo das opressões e da exploração capitalista. Será somente de maneira a unir estas diferentes pautas, respeitando-se o protagonismo destas diversas expressões da luta por uma sociedade mais igualitária, ao invés de fortalecer somente a lógica de cada um no seu quadrado, que avançaremos nos processos de transformação estrutural. Interessa-nos, portanto, o olhar e a prática interseccional sobre os espaços escolares e pedagógicos em geral, sobre o espaço sindical e de movimentos sociais, e sobre nós mesmos enquanto indivíduos que procuram fazer caminhar o horizonte.

Relação entre coletivo (comprometimento e cumprimento de acordos) e autonomia individual

A fim de funcionar na prática de maneira coesa e solidária, de modo que cada pessoa do grupo se sinta parte e se enxergue nele, consideramos que o coletivo deve assegurar, na mesma medida, a autonomia das pessoas (liberdade individual) e o cumprimento dos acordos e deliberações coletivas (responsabilidade coletiva).

A autonomia, considerada também como um princípio, é fundamental para a expressão das singularidades de cada pessoa, e do respeito para que atue de acordo os seus interesses e possibilidades. Para tal, consideramos níveis diferentes de comprometimento em relação a cada tipo de deliberação coletiva: se é uma formulação estratégica do grupo de atuação no sindicato, as pessoas envolvidas naquele sindicato devem comprometer-se; ao mesmo tempo, pessoas que atuam em outros sindicatos têm autonomia para avaliar se aquela estratégia cabe em sua atuação ou se a conjuntura ou as circunstâncias exige outra. Por outro lado, se a deliberação coletiva envolve a segurança do grupo, por exemplo, todas as pessoas devem seguir.

Desta maneira, acreditamos que o coletivo se fortalece em laços apoiados em princípios éticos libertários, onde cada pessoa reconhece em sua companheira ou companheiro a confiança necessária para lutar lado a lado, também respeitando-a(o) diante de suas limitações e fortalecendo sua luta, que também é sua luta.

Apoio mútuo

Pode-se dizer que a ideia de apoio mútuo afirma-se enquanto uma característica que perpassa toda e qualquer relação social — dos seres humanos às diversas espécies de seres vivos — , constituindo-se como uma estratégia de sobrevivência e de cooperação para benefício mútuo de grupos e espécies. Enquanto um grupo de educadores e educadoras militantes que busca construir, em âmbito coletivo, bases de princípios para fortalecer a autonomia política diante dos sistemáticos ataques à classe trabalhadora, procuramos desenvolver teórica e praticamente a noção de apoio mútuo como elemento fundamental para a construção e ação do coletivo. Reforçar o apoio mútuo entre nós trabalhadoras e trabalhadores, nesse sentido, é buscar fortalecer estratégias de construção de mecanismos de resistência autônomos e classistas, dentro do campo da educação e movimentos sociais.

Autogestão

A autogestão é o princípio organizativo da RALÉ. Em uma verdadeira democracia participativa e direta, todos os membros terão direito à opinião, voz e ação. Não havendo hierarquias, deve estar sempre presente entre nós o respeito e apoio mútuo, necessários para uma dedicação às tarefas autopropostas e a um convívio pleno. Será proveniente, portanto, de cada indivíduo o possível esforço para se dedicar às nossas pautas e demandas, sem necessitar subjugar qualquer outro indivíduo para tal fim.

Método de deliberação: Consenso

Como método deliberativo, pretendemos o consenso. Nos casos em que não se chegar em consenso, deve-se prosseguir pela via do dissenso e consequente construção do consenso sobre o ponto na reunião seguinte. Caso na segunda reunião não seja possível, leva-se para uma terceira. Caso na terceira reunião também não seja efetivada a deliberação pendente, utiliza-se, excepcionalmente, o recurso do voto.

Federalismo

Por princípio político, adotamos o federalismo. Acreditamos que baseando-se na descentralização das ações podemos potencializar nossa atuação política. Pelo fato de somarmos esforços militantes de três redes de ensino públicas distintas (federal, estadual e municipal), de escolas em locais diversos e de realidades igualmente diferentes, acreditamos que a melhor ação é a atuação com autonomia em nossas escolas e regiões, e, a partir daí, levar as demandas ao grupo e esse agir de forma solidária a partir de políticas, atividades e apoio, de sorte a fortalecer nossas ações enquanto coletivo, assim como as demais lutas cotidianas no chão da escola, sejam estas associadas diretamente ao coletivo ou não.

O federalismo pode ser entendido como uma organização oposta ao centralismo, caracterização política a partir da qual partidos e demais organismos de viés partidário-eleitoreiro se orientam. Acima de tudo, o federalismo propõe certa soberania aos grupos ou sujeitos para atuarem nas demandas locais de trabalho, pressupondo que demandas imediatas requerem respostas em tempo hábil. A autonomia nas decisões locais aliada à solidariedade do coletivo reforçam o caráter classista que propomos, a um só tempo, como base e horizonte.

Rede Autônoma de Luta pela Educação

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