[México] As comunidades indígenas do México na ofensiva: autonomia, o conselho indígena de governo e a candidatura de Marichuy
Em outubro de 2016, na celebração do 20 aniversário do Congresso Nacional Indígena (CNI) de México, esta organização e o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) anunciaram uma nova ofensiva pela defesa da vida e contra o governo mexicano, que inclui a conformação do Conselho Indígena de Governo (CIG) e a sua participação nas próximas eleições a presidência do país, em junho de 2018.
Pela primeira vez no México serão aceitos candidatos/as independentes para concorrer à presidência. Sem afiliação à nenhum partido político, os/as candidatos/as independentes precisam coletar quase um milhão de assinaturas dos cidadãos simpatizantes para poder participar da eleição oficialmente. Neste contexto é que surge a proposta do EZLN em conjunto com o CNI de participar e se fazer presentes na conjuntura política do país. Uma mulher indígena nahua é quem representa com seu nome os povos originários organizados no redor do Conselho Indígena de Governo a nível nacional .
A primeira candidata indígena na história do país se chama Maria de Jesus Patricio Martinez, conhecida como Marichuy. A porta voz do CNI é médica tradicional numa comunidade nahua de Tuxpan, Jalisco, e professora de medicina herbal na Universidade de Guadalajara. É importante dizer que Marichuy não se candidatou sozinha, ela foi apoiada e escolhida por 153 conselheiros/as de 52 povos indígenas do CNI para ser a representante, porta voz, dos povos originários nas eleições presidenciais.
Vindo do EZLN, a proposta parece estar em contradição com sua postura autonomista. A base da luta zapatista no sul do México, é a autogestão, contra o sistema capitalista e sem partidos políticos. Desde o surgimento do EZLN em 1994, o autogoverno e a gestão de recursos e de bens culturais, educativos e econômicos é autônoma. O zapatismo luta pela organização comunitária, sempre em construção de outras formas de sociedade, não acredita nos partidos políticos nem nas estruturas de poder do Estado mexicano.
Então por que entrar numa eleição do sistema tradicional da “democracia” institucional? ou como os zapatistas mesmos falam “a política de cima”? Reproduzimos aqui a frase que tem definido a postura zapatista em relação ao sistema eleitoral “Nossos sonhos não cabem em suas urnas“ . No entanto, o contexto geral de violência e desapropriação de territórios que o povo mexicano perpassa precisa de uma nova iniciativa. As mortes e desaparições forçadas de indígenas, de mulheres, de camponeses, de estudantes, de jornalistas, de ativistas e pessoas organizadas desde as bases sem partidos políticos, continuam. As desapropriações e destruição das terras, dos territórios sagrados, milenarmente cuidados e habitados pelos povos originários, tudo isso continua e com pouca ou nenhuma esperança de parar, a resistência indígena sobrevive na luta diária.
Por isso, no caminho, os zapatistas e o CNI repensam e refletem sobre as adversidades, sobre as falhas do sistema que passa por cima de tudo e de todos. Nessa conjuntura de destruição é que a famosa frase dos zapatistas se redefine:
“nossos sonhos não cabem em suas urnas, mas também não nossos pesadelos... Assim nós, zapatistas, pensamos que é o momento de passar para a ofensiva, Chegou a hora do contra-ataque. E deve-se começar atingindo um dos corações do sistema: a política de cima“ (comunicado EZLN: Una historia para trata de entender , 17/11/2016).
É importante mencionar que a proposta do EZLN e do CNI não surgiu de um dia para outro como uma ideia delirante e imprudente, sem consenso nem analise nenhuma. Muito pelo contrário, a ideia surge como resultado de um processo de profunda reflexão, análise, discussão e por fim consenso, como todas as propostas que nascem nos caracóis zapatistas. Entrar no jogo da política institucional mexicana, é uma proposta que vem se construindo durante os últimos três anos, nas reuniões e encontros zapatistas e do CNI.
Entretanto, o EZLN deixa a proposta nas mãos e cuidado do CNI; são os/as representantes conselheiros/as das comunidades indígenas de diferentes regiões do México quem agora decidem passar da ideia para a ação, são eles/as que se dão a tarefa de escolher e nomear a sua porta voz indígena, que irá representá-los/as “lá em cima” enquanto coletivo. Da mesma forma, se cria o Conselho Indígena de Governo (CIG), composto pelos/as representantes das comunidades, bairros, tribos, coletivos, que estão organizados no Congresso Nacional Indígena. O CIG segue os 7 princípios do “mandar obedecendo”; o CIG junto com a sua porta voz Marichuy vão tentar visitar o maior número de comunidades, bairros, tribos, coletivos, organizações independentes que estão no território mexicano , com o objetivo principal de conversar sobre os diversos problemas e lutas, e criar outras alternativas contra o sistema opressor, unir-se como povos desde abaixo.
Nas palavras de Marichuy e do CIG:
Vamos abalar essa nação, vamos descolonizar o pensamento capitalista e patriarcal. Demonstremos que é possível uma outra maneira de governar-nos. Entre as ruínas nascem novas esperanças e mundos...Somente ao tomar consciência do que somos e concordando, buscando formas diferentes, e vamos encontrá-as, poderemos avançar e parar toda a destruição que este sistema capitalista está deixando para trás". (Revista Proceso, 20/11/2017)
Enfim, visibilizar, reconstruir e reunir os povos originários, marginalizados e indignados, para lutar contra o sistema que oprime e impõe suas formas, desrespeitando a vida e a dignidade dos povos originários e do povo do México.
Escrevemos esta nota em apoio a proposta do CNI-EZLN, com a finalidade de tentar explicá-la no Brasil e outras partes do mundo, e de se possível, trazer ao debate e discussão com as comunidades indígenas e não indígenas que tenham alguma empatia ou interesse com a proposta.
Para aprofundar no assunto e ter mais detalhes, deixamos os links de alguns artigos e notas interessantes que circulam na mídia mexicana. Também, o contato com os auxiliares e coletivos que organizam esta iniciativa desde outras latitudes.
Site do Congresso Nacional Indígena
Mexicanos Com Marichuy sem Fronteiras- Brasil .