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Homeschooling: uma ameaça vendida como solução.

Fevereiro 25, 2019 - 18:55
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Não é segredo para ninguém que o sistema educacional brasileiro possui falhas e uma série de problemáticas que comprometem a formação das crianças e jovens. Apesar disso, a justificativa apresentada pela ministra Damares em vídeo foge muito da realidade das salas de aula no país. Ela argumenta que o ensino em casa – homeschooling – seria a solução para uma suposta “doutrinação marxista”, o que por si só já se trata de um delírio. - Uma vez que tal doutrinação não existe concretamente e nunca nem mesmo foi provada pelos que a denunciam. Além disso, a ministra ainda diz que seria uma forma de cortar gastos do Estado, o que também é um argumento falso, uma vez que a implementação de um sistema educacional baseado no ensino a distância necessita de grandes investimentos.
Apesar de tentadora na visão de muitas pessoas, a ideia de implementação do Homeschooling tem diversas problemáticas que podem piorar ainda mais os problemas já existentes no sistema educacional brasileiro. Mas quais seriam essas problemáticas?
 
Socialização: 
 
Primeiramente, a escola não é apenas um local para aplicação de conteúdo, é também o primeiro contato infantil com pessoas diferentes. É um espaço onde ocorre a socialização das crianças e dos jovens para além da sala de aula e das matérias ensinadas. Tirar abruptamente esse espaço de socialização pode ser perigoso. Devemos, pelo contrário, reconhecer que a escola muitas vezes é um ambiente onde as diferenças não são respeitadas e onde grande parte dos estudantes não se sentem confortáveis e buscar alternativas reais para solucionar esse problema. 
       
É importante para a formação de nossos jovens o convívio com pessoas diferentes. De famílias diferentes, culturas diferentes, etnias diferentes, países diferentes, religiões diferentes… E além disso, é muito importante que essa socialização seja realizada em um espaço que tenha como meta a integração entre todas as culturas e o combate à discriminação e ao preconceito. Isolar as crianças em suas casas apenas fará com que os preconceitos sejam perpetuados pois corta-se o contato com o diferente na infância. 
       
É importante ressaltar que o sistema educacional atual não atende às características citadas acima sobre como deve ser o local onde ocorre a socialização dos jovens. Há muito preconceito e muita discriminação no ambiente escolar, muitas das vezes porque não há incentivo por parte da instituição para que se vença estas barreiras. Para além de opor-se à tentativa de implantar o homeschooling, devemos fazer uma crítica ao sistema educacional atual e gerar um debate maior entre a população sobre as formas reais de se construir um espaço de ensino e de socialização que seja confortável para todas as crianças e todos os jovens e combata o preconceito e a discriminação com aquilo que é diferente, favorecendo as trocas culturais horizontais entre os alunos e até mesmo entre os professores. 
       
Fala-se muito sobre uma possível questão ideológica “marxista” sendo aplicada nas escolas, porém o que na verdade ocorre é uma manutenção de velhas ideias preconceituosas e discriminatórias contra tudo aquilo que é diferente do padrão social imposto. Como por exemplo ocorre com estudantes que são adeptos de religiões de matriz africana, como a Umbanda, e com jovens que são LGBT. Devemos não apenas nos opor ao homeschooling como tentativa de perpetuar ainda mais essas ideias, como também fazer uma crítica honesta a forma como a escola e o sistema educacional lidam com as diferenças.         
       
Além disso o ambiente escolar muitas vezes favorece o aparecimento de transtornos psicológicos relacionados, muitas vezes, à socialização, como transtorno de ansiedade ou pânico. Porém, o homeschooling não seria uma solução para isso, pois a socialização ainda teria que ser feita, cedo ou tarde, e a privação desta experiência durante a infância e a juventude poderia acarretar problemas ainda maiores na maioridade. O sistema educacional atual tem vários problemas. O homeschooling não é a solução para nenhum deles. 
 
Pedagogia:
 
Além de não ser a solução para os problemas existentes, o homeschooling ainda traria outros problemas, como por exemplo a falta de didática e de conteúdo a ser aplicado. 
       
Para tornar-se professor, uma pessoa precisa cursar ao menos oito períodos de especialização na disciplina que queira lecionar e além disso ainda cursar a licenciatura, que é uma forma de aprender didática e psicologia para utilizar na sala de aula. Os pais, mesmo que adquiram material didático feito por empresas do setor privado – o que por si só já configura um problema grave deste modelo – não tem a carga de estudo daquelas disciplinas e muito menos a bagagem em relação à didática que tem um professor profissional. Portanto além de não resolver os problemas do sistema educacional anteriormente citados, ainda poderia ser muito prejudicial para o aprendizado e compreensão de conteúdo das crianças e dos adolescentes. 
       
É preciso tomar muito cuidado quando o assunto é desprofissionalização do professor. Afinal, a quem isso interessaria? A quem interessa que a população brasileira cresça com um deficit educacional ainda maior do que o atual? 
 
Autonomia: 
 
Outra problemática da aplicação do homeschooling é quanto ao desenvolvimento pessoal do jovem. Diz respeito à sua personalidade, aos seus pensamentos próprios, à construção do seu próprio estilo pessoal de pensar, agir e se comportar socialmente. A escola, por ser um local de socialização entre pessoas de diferentes origens e culturas, acaba sendo uma “válvula de escape” do jovem para tudo aquilo que ele já está familiarizado em casa. Ou seja, além das influências familiares, a socialização escolar é fundamental para a formação de caráter e de personalidade das pessoas, garantindo uma certa autonomia em relação aos costumes da família. 
       
Apesar da escola, de certa forma, ainda estar muito atrasada no que diz respeito à garantir a autonomia de cada estudante em relação ao todo, o ambiente familiar é ainda pior, pois corta qualquer tipo de interação com outros estilos e culturas que possam influenciar a maneira de pensar de um jovem. 
       
Aqui, portanto, devemos não apenas nos opor, novamente, ao homeschooling, como fomentar um debate de como levar ainda mais autonomia intelectual e cultural aos estudantes. 
 
Movimento estudantil:
 
Por último, um tópico não menos importante, que diz mais respeito aos possíveis interesses da implantação dessa medida do que propriamente a uma consequência da mesma. 
       
Por que a ideia de homeschooling tenta ganhar força depois de uma grande onda de ocupação de escolas e ganho de força do movimento estudantil? A quem interessa esvaziar as salas de aula? 
       
Em 2016, vivenciamos no país inteiro um grande levante protagonizado pelos estudantes em apoio à greve dos professores e que, logo, foi configurado por suas próprias pautas e táticas de luta. A ocupação se tornou a principal tática. Entre as pautas, melhores condições de infraestrutura para as escolas apareciam em destaque, além da construção de um modelo de ensino não mercantilizado – o extremo contrário do que o homeschooling propõe. 
       
Apesar das demandas dos estudantes e das ocupações serem uma resposta contrária à política educacional vigente, que é sim mercantilizadora e problemática em diversos aspectos já citados no texto, o homeschooling não traz solução para nenhuma das pautas estudantis. A política é feita de cima para baixo, sem intervenção docente e discente e o governo tenta aplicar cortando completamente o diálogo com a população. Portanto devemos fomentar esse diálogo e levar a informação do que está sendo feito ao povo. 
 
Conclui-se então que o sistema educacional é extremamente falho, e deve ser prioridade a sua reformulação e construção de um novo ambiente escolar que atenda as demandas dos estudantes e dos professores e que combata a discriminação e o preconceito com tudo o que for considerado diferente culturalmente e socialmente. Porém entende-se que a política de homeschooling que o governo Bolsonaro tenta implantar na verdade é uma farsa que pode piorar muito mais a situação de nosso sistema educacional. Portanto, devemos nos opor radicalmente a essa política ao mesmo tempo que reconhecemos as falhas do modelo atual e buscamos a construção de uma escola pautada na diversidade e na integração entre todos e todas. 

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