O sínodo pan-amazônico e a luta contra a privatização da Petrobras
No domingo 6 de outubro, começou, no Vaticano, o Sínodo Pan-Amazônico, organizado pela Igreja Católica. Essa grande assembléia de bispos com o papa vai até o dia 27 deste mês. Com raízes no Concílio Vaticano II, que foi uma série de encontros da igreja na primeira metade dos anos 1960 pra (re)conciliar a igreja com o povo e o seu tempo histórico, tendo como pano de fundo a teologia da libertação, que coloca a luta contra as injustiças sociais como parte fundamental da missão da igreja, o sínodo foi convocado pelo papa Francisco em outubro de 2017, como parte de sua política pra recolocar realmente a igreja como um dos principais atores geopolíticos, tanto pra fortalecer a instituição, que sofre grande concorrência de várias frentes, quanto pra, inclusive a partir desse reforço, influir mais diretamente e mais decisivamente nos rumos das nossas sociedades. A etimologia da palavra sínodo é caminhar juntos e, com esse simbolismo, o papa Francisco busca que a instituição e o povo caminhem juntos na busca por uma reconfiguração da organização da nossa casa comum, que é o planeta, na qual o catolicismo possa honrar a sua origem e tecer o universal com o pluriversal, entrelaçando, assim, os versos do grandioso e simples poema concreto que é a construção cotidiana, tanto pessoalmente quanto socialmente, do Reino de Deus na Terra. Quem participa dessa construção deve aliar a humildade de saber que se trata de uma utopia tecida por mãos imperfeitas e a dedicação pra sempre caminhar rumo ao belo horizonte, sabendo que, como bem definiu o escritor uruguaio Eduardo Galeano, quando nos aproximamos dele, ele, ainda que nos acolha, estará sempre mais adiante. Mais diretamente, nesse encontro, que contou, em sua preparação, com muitas pessoas da região amazônica, o que está sendo procurado é como a igreja pode se desenvolver melhor nessa parte do mundo e como pode contribuir pra que os povos desse território possam usufruir de vida, e vida em abundância.
Desde o início deste ano, o governo do Bolsonaro tem espionado a preparação do sínodo e atuado pra sabotar o encontro e, de modo mais amplo, pra combater os setores da igreja católica que criticam a lógica do lucro acima da vida. O general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo, está diretamente envolvido nesse esforço. Os que comandam a ditadura ultra-liberal do capital no Brasil combatem a política do papa Francisco porque sabem que ela pode ter eco no povo e isso pode alimentar a luta contra a chibata com a qual as transnacionais, ajudadas pelos prepostos dos governos locais, torturam os pobres e parte considerável das camadas médias da pirâmide social. Essa situação lembra o cenário da ditadura imposta em 1964, quando, a mando dos generais Electric, Motors e CIA, os capitães-do-mato do capital transnacional no Brasil viam os setores da igreja que participavam da luta contra as injustiças sociais como seu principal inimigo. Diversos religiosos foram presos, torturados e assassinados, como os dominicanos Betto, Fernando e Tito, cujas histórias nesse período estão contadas em livros como Batismo de Sangue, Diário de Fernando e Um homem torturado. Arcebispo de Recife e Olinda e um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o dom Hélder Câmara foi perseguido pela ditadura de então por seu trabalho pastoral junto com os pobres e por apresentar criticamente ao mundo as torturas no Brasil. Ele, que participou da criação de muitas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), costumava dizer o seguinte: "Se dou pão aos pobres, me chamam de santo; se mostro por que existe pobreza, me chamam de comunista". O papa Francisco também é chamado, com uma conotação muito pejorativa, de comunista pelos defensores do totalitarismo ultra-liberal capitalista. Esses setores da igreja são vistos por esses defensores do capital como especialmente perigosos porque pruma grande parcela do povo a fé tem muita importância, a igreja católica, apesar da concorrência, ainda é uma das instituições com mais capilaridade no país e é na sua rede que muitas pessoas se socializam. A fé pode ser um dos mais poderosos fermentos na luta popular. Por isso, quem domina as estruturas sociais de esquema geral opressores/oprimidos se empenha pra controlar o discurso da fé e a ação prática que dela decorre.
A ultra-liberal teologia da prosperidade crucifica Jesus e os povos
O governo do Paulo Guedes e do Bolsonaro se juntou à conspiração contra o papa Francisco articulada pelo estadunidense Steve Bannon, que, milionário, é um dos ideólogos e operadores do que vem sendo chamado de direita alternativa, que busca uma concentração ainda maior de riqueza e poder entre brancos ocidentais e manipula sociedades a partir, notadamente, das chamadas redes sociais, como o Facebook e o Whatsapp, pra isso. Essa conspiração conta com vários setores da própria igreja. São setores que sempre utilizaram a religião pra dominar, e que sempre foram hostis à parte da igreja que se colocou em solidariedade concreta com o povo. São setores que sempre preferiram seus castelos ao território popular, mesmo quando atuam no meio do povo. São setores que, no fundo, sempre se disfarçaram de cristãos pra esconderem um projeto que, na prática, vai no sentido oposto às palavras e às ações de Jesus e, de modo mais amplo, ao evangelho. Quando a teologia da libertação ganhou terreno, especialmente na América Latina, nos anos 1960, ela foi muito atacada pelas ditaduras que se instalaram no continente e pelos patrões dessas ditaduras, países centrais do sistema capitalista mundial, com ênfase nos Estados Unidos, e suas grandes transnacionais, junto com setores da igreja pros quais dar esmolas é o máximo tolerável em termos de doutrina social da igreja. Além de uma perseguição mais direta, um dos instrumentos desse ataque foi o estímulo às igrejas neopentecostais e à sua "teologia" da prosperidade. O papa João Paulo II e o cardeal Ratzinger foram agentes importantes desse ataque contra a teologia da libertação. Na prática, setores da Igreja Católica foram cúmplices do aprofundamento da crise da instituição. Ao combaterem a teologia da libertação, mantiveram a igreja presa num tradicionalismo moralista distante da tradição ética de Jesus e numa linguagem de torre de marfim com cada vez menos capacidade de dialogar com o povo. As igrejas neopentecostais investiram numa linguagem mais na lógica de um tipo de espetáculo mais contemporâneo e conquistaram muitos adeptos, inclusive fazendo muitos migrarem do catolicismo pros estabelecimentos que no Brasil ficaram muito conhecidos pela denominação igrejas evangélicas. É importante ressaltar que há bastante diferença entre as igrejas evangélicas antigas e as neopentecostais e que, mesmo nas neopentecostais, nem todo mundo é realmente adepto da "teologia" da prosperidade. Uma parcela mantém no coração a teologia da libertação, mesmo sem conhecer a expressão. O preconceito que rotula automaticamente evangélico e obscurantismo não deve ser alimentado. Ainda assim, a relação entre o crescimento dos neopentecostais e o abafamento das lutas sociais emancipadoras é estreita. Inclusive, se expressa na relação de grande parte dessas empresas evangélicas com o pinochetismo made in Brazil dos Mercados Unidos que é o bolsonarismo. Na prática, os setores da Igreja Católica que combateram a teologia da libertação facilitaram a perda de terreno do catolicismo diante das igrejas "evangélicas". Aliás, a Igreja Católica está muito contaminada pela teologia da prosperidade, notadamente porque a sua principal reação ao crescimento das empresas "evangélicas" neopentecostais foi a chamada Renovação Carismática, uma espécie de cover das igrejas "evangélicas". A teologia da prosperidade, que guia grande parte das igrejas "evangélicas", foi uma das grandes armas utilizadas contra a teologia da libertação. Facilitou imensamente o caminho do ultra-liberalismo. E vai continuar atacando os resquícios da teologia da libertação. Com a escolha do argentino Jorge Mario Bergoglio pra ser o papa Francisco, diversos setores da Igreja Católica parecem estar tentando reverter esse quadro. A Igreja Católica está muito atrasada nessa luta. Mas tem potencial pra reverter o terreno perdido, ainda que não seja fácil.
Descolonizar a Igreja
O título geral do sínodo é Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral. Nos seus documentos, está expresso que seus objetivos são conhecer mais a fundo a realidade dos povos amazônicos e de todo esse território, tornar a igreja mais presente e mais libertadora pra esses povos, o que demanda uma igreja com rosto(s) amazônico(s), convivendo harmoniosamente com as culturas e com as espiritualidades que fazem parte dessas outras culturas, a fim, inclusive, de se revolucionar a partir dessas outras culturas, de forma a se tornar capaz de defender mais e melhor os povos locais e o seu território. A questão indígena é central nesse caminho. Na preparação do sínodo, diversas pessoas desses povos puderam apresentar propostas práticas de como a igreja católica pode se tornar mais diretamente uma igreja com rosto amazônico, como o papa Francisco tem dito querer. É possível que, com o sínodo, muitos padres na região passem a ser indígenas, inclusive sem a necessidade de abandonarem suas eventuais espiritualidades mais originalmente indígenas, que seriam vistas como uma outra parte de uma espiritualidade mais ampla. A possibilidade de homens casados, indígenas, quilombolas, riberinhos, camponeses e pobres em geral, tanto da floresta e da área rural quanto das áreas urbanas, especialmente das suas periferias, serem padres também está em pauta. Não está fora de cogitação, embora, infelizmente, ainda de forma insuficiente, a idéia de mulheres, solteiras ou casadas, celebrarem missas, algo que já existe, em equivalência, em outras religiões, mas que a igreja católica ainda não adotou. Essas medidas ajudariam a igreja a ter mais presença no território amazônico, num contexto em que enfrenta muita dificuldade de conseguir padres pelos meios tradicionais. E poderiam contribuir pra descolonização da igreja.
A descolonização é, por sinal, um dos caminhos mais importantes pra igreja. Primeiro, porque ela ainda precisa reconhecer mais que, apesar de exceções muito valorosas, esteve ao lado dos colonizadores nas Américas, na África e na Ásia, sendo a cruz que ajudava a espada eurocêntrica que matou, escravizou e aculturou milhões de seres humanos nesses territórios ao longo de séculos. Segundo, porque a própria face eurocêntrica da igreja, a sua ocidentalização, foi fruto de uma colonização da igreja pelo Império Romano, que havia crucificado Jesus. A igreja católica nasceu no Oriente, mas essa história foi soterrada e precisa ser reencontrada. Terceiro, porque a única maneira de realmente ter um rosto amazônico depende da sua descolonização. Não é demais ressaltar que a colonização da igreja foi justamente parte indissociável da sua mudança pra passar a servir aos opressores, se tornando ela própria, ainda que com contradições (existentes sobretudo pela força da mensagem-exemplo inicial no Oriente), parte das elites privilegiadas opressoras. Como enfatiza o filósofo francês Roger Garaudy no livro O Ocidente é um acidente, o Ocidente perdeu uma gigantesca oportunidade de diálogo entre civilizações quando europeus vieram pras Américas, pra África e pra Ásia a partir do século XV do calendário cristão. Naquele contexto, a igreja atuou como uma transnacional do empreendimento colonial. Em vez de se colocar ao lado dos povos pré-colombianos, africanos e asiáticos, abençoou a espada e os canhões com os quais os europeus (e seus descendentes nos Estados Unidos e nos países colonizados) os dominaram. Em vez de buscar um diálogo profundo com esses povos, atuou impondo o catolicismo (deturpado pela aliança com o poder hierárquico mundano) e utilizando o discurso religioso pra vestir o discurso da missão civilizadora (!) ocidental com um manto "sagrado". Como disse o Garaudy, foi uma gigantesca ocasião perdida. A igreja tem diante de si uma nova ocasião pra participar de um profundo diálogo. Seria um pecado desperdiçá-la. E somente de forma descolonizada e descolonizadora é possível não desperdiçar essa ocasião.
Podemos dizer que o apogeu do poder da Igreja Católica foi na Idade Média e que, desde a Reforma Protestante (especialmente capitalista e fortemente liberal economicamente), vive o seu declínio, ainda que se trate de um longo declínio com zigue-zagues. Isso não significa que a Igreja Católica não tenha se aliado ao capitalismo e sido útil pro colonialismo e pro imperialismo, como um dos instrumentos pra acumulação primitiva do capital. Nem que no protestantismo não haja críticas contundentes ao capitalismo. Mas que, se observarmos as suas respectivas lógicas mais profundas, se observarmos as suas culturas internas mais profundas, poderemos ver que o catolicismo tem um discurso mais crítico ao capitalismo, notadamente com críticas aos juros e ao lucro e com a valorização dos pobres, ainda que muitos representantes do clero, assim como muitos que se apresentam como fiéis, tenham sido e ainda sejam muito hipócritas e utilizem o discurso católico como um ópio do povo e/ou como entorpecente pra si próprios, pra não se sentirem tão mal com a sua hipocrisia anti-cristã. O discurso católico, apesar de toda a hipocrisia que o cerca, mantém, ainda que muitas vezes soterrada por essa hipocrisia, a mensagem de que a vida é sagrada e que é um erro divinizar o lucro, de que a lógica do lucro desenfreado ameaça seriamente a vida. Esse discurso é contra a lógica capitalista que transforma tudo em mercadoria. Mas o discurso só se torna profético se for encarnado em ações concretas. Jesus agia e foi assassinado porque enfrentou o poder hipócrita do seu tempo. Diversas pessoas que hoje em dia se empenham pra seguir o exemplo de Jesus são assassinadas por enfrentarem o poder hipócrita do nosso tempo. O que mostra como uma prática pautada no genuíno exemplo de Jesus pode ser revolucionária.
O lucro sacralizado destrói a vida da maioria
O latifúndio, o agro-negócio globalitário, a mineração que considera o território descartável, a indústria de óleo e gás sem nenhum compromisso com os povos locais, a biopirataria, que finge não ver os pobres da região padecerem com doenças cuja cura pode ser encontrada nas plantas amazônicas, os pistoleiros a serviço de todos esses setores, a criminalização ou o adestramento das lutas sociais, a aculturação contínua dos povos indígenas e o esmagamento de muitas pessoas em muitas periferias das grandes cidades da região, entre outros problemas, são ameaças graves sobre a fauna, a flora, o solo, a água, o ar e as pessoas da Amazônia. O governo do Paulo Guedes e do Bolsonaro, embora nem de longe tenha a exclusividade no estímulo a essas violências, as acentua, inclusive com um ministro do meio-ambiente, Ricardo Salles, que, na linha de um fascismo ultra-liberal economicamente, desdenha dos que, como o papa Francisco, defendem uma ecologia integral. Cada vez mais, áreas com uma biodiversidade única são destinadas à exploração de petróleo e gás natural, sobretudo por transnacionais estrangeiras. A Foz do Rio Amazonas é um dos locais onde transnacionais, como a francesa Total, têm tentado atuar. No final do ano passado, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) negou à Total a possibilidade de explorar petróleo na foz do Amazonas, por considerar que não há garantias de que não haverá um grande vazamento, que afetaria terrivelmente a biodiversidade local. Mas o governo atual já está tentando reverter essa decisão. Por exemplo, com o ministro de infra-estrutura, Tarcísio de Freitas, que também é um dos que ecoam o hipócrita discurso de que os índios têm o direito de ficar ricos, que, como parte da aculturação ligada à teologia da prosperidade e, de modo mais amplo, ao fundamentalismo do lucro, busca esconder o objetivo de enfraquecer a resistência indígena ao projeto de exploração de territórios indígenas. Um antídoto a esse veneno que é a exploração econômica de territórios indígenas por transnacionais, tendo alguns índios como sócios minoritários contra os seus próprios povos e territórios, é justamente a construção concreta de uma economia solidária voltada pro bem comum e pro bem da casa comum, uma economia da ecologia integral, que una o desenvolvimento material ao respeito ao meio-ambiente, com a consciência de que os seres humanos fazem parte do meio-ambiente. Uma economia que deve ser buscada pro mundo inteiro. O papa Francisco, aliás, já está preparando um encontro pra março do ano que vem, intitulado A economia de Francisco, com o qual busca influenciar jovens economistas e empresários, nesse sentido. Não que o cerne da mudança na economia vá ser feito por essas pessoas e não que não haja risco de uma cooptação mais direta desse esforço pelo capital (inclusive, não vai na linha de uma ruptura mais completa em relação ao capitalismo), mas pode, em algum grau, ajudar o povo trabalhador a superar o capitalismo.
O petróleo que está poluindo o litoral do Nordeste desde o início de setembro (até agora, já chegaram mais de 900 toneladas de petróleo nas praias nordestinas) é outra mostra do imenso problema que representa a atividade econômica ser pautada pela busca desenfreada do lucro e não pela valorização do meio-ambiente. Até agora, não se descobriu, oficialmente, que agente(s) econômico(s) causaram mais diretamente esse desastre ambiental de gigantescas proporções. Mas é possível suspeitar de que autoridades acobertem os (ir)responsáveis, com vistas a proteger o lucro, mais uma vez em detrimento da vida. Barris com marca da Shell foram encontrados junto com o petróleo derramado. A negativa da Shell de que se trata de petróleo produzido por ela foi muito tranqüilamente aceita. E mais: a Shell já deixou de informar as autoridades brasileiras pelo menos num vazamento relativamente recente numa operação de passagem de petróleo de um navio pra outro. O tom do governo (e até da Petrobras dominada pelo privatismo) sobre a origem ser venezuelana é diferente. Pouco tem sido falado sobre a possibilidade de um vazamento a partir de um campo de petróleo explorado por transnacionais estrangeiras (ou pela Petrobras dominada pelo privatismo, junto com transnacionais estrangeiras) no litoral brasileiro. Tudo isso se soma a muitos outros gravíssimos problemas, como as queimadas na Amazônia e os rompimentos de barragens da Vale privatizada em Minas Gerais.
A Igreja deve lutar contra a privatização da Petrobras
Quanto mais privatizada estiver a Petrobras (e ela está a cada dia mais privatizada) mais perigosa e nociva ela se torna pro meio-ambiente e pra sociedade. Mais se torna perigosa e nociva pro povo. É muito importante a Igreja Católica participar da luta contra o aprofundamento aceleradíssimo da privatização da Petrobras, pois esse processo, além de massacrar muitos trabalhadores petroleiros (os casos de depressão e outras formas de sofrimento psicológico têm aumentado muito nesse contexto), prejudica muitíssimo a soberania energética do país, retira do Brasil a sua principal ferramenta de construção de um desenvolvimento com a possibilidade de um grau maior de autonomia, condena grande parte do povo a um cotidiano ainda mais difícil e coloca o meio-ambiente ainda muito mais em risco. A privatização da Petrobras (antes era Petrobrás e a retirada do acento faz parte do longo processo de privatização, que agora está numa fase aceleradíssima) aprofunda a colonização sobre o Brasil e reforça os setores sociais que desrespeitam o território (pluri-)nacional brasileiro e seu(s) povo(s). Dificulta muitíssimo a luta contra as injustiças sociais, até porque está sendo, cada vez mais, geradora de cada vez maiores desigualdades e porque naturaliza a lógica empresarial tecnocrática anti-povo. Não lutar contra a privatização da Petrobras é incompatível com a construção da economia de Francisco, de uma economia voltada pras pessoas como parte do meio-ambiente. É incompatível com uma Igreja com rosto amazônico e, de modo mais amplo, com uma Igreja com rosto popular. É incompatível com uma Igreja que realmente se empenhe pelo Evangelho. Lutar contra a privatização da Petrobras faz parte da descolonização necessária da Igreja, em vários sentidos. E a Igreja realmente empenhada nessa luta amplificaria muito a possibilidade de pelo menos impedir uma privatização ainda mais completa e destruidora da Petrobras. Não que isso baste. É necessário ir além: desprivatizar o que foi privatizado, desprivatizar a lógica de funcionamento da Petrobras, democratizá-la a fundo, pra que seja realmente do povo, pro povo e com o povo, fazer dela um instrumento rumo à geração de energia da forma menos poluente possível...
O sínodo relativo à Amazônia é parte de um projeto mais geral de setores da Igreja Católica em torno do papa Francisco. Como está aqui , o que está sendo pensado, realizado e preparado em relação ao território amazônico, também está sendo pensado pra outros biomas/territórios essenciais pro mundo, como a bacia fluvial do Congo, o corredor biológico mesoamericano, as florestas tropicais da Ásia Pacífica e o Aqüífero Guarani. Todos esses lugares são territórios com uma biodiversidade muito importante e com pessoas que estão entre as que mais sofrem com os ataques combinados ao meio-ambiente e aos pobres. Uma economia de ecologia integral é muito importante pra todos eles. Que seja possível caminharmos juntos rumos ao belo horizonte de uma sociedade em que o universal se conjugue de forma pluriversal pro bem dos povos e dos seus territórios.
Antony Devalle é trabalhador da Petrobrás e integrante do grupo autônomo de trabalhadores petroleiros Inimigos do Rei. É um dos fundadores e editores do Portal Autônomo de Ciências.