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A greve traída

Março 18, 2020 - 19:05
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A greve petroleira, que, considerando o seu período mais extenso, durou de 1º a 20 de fevereiro, foi a maior desde a realizada pela categoria em 1995, ainda que tenha ficado longe do patamar daquela. Foi importante por colocar em pauta, de forma mais direta, a luta contra a privatização da Petrobras (e os gravíssimos problemas que essa privatização, em curso, já tem trazido pro povo brasileiro) e porque cerca de 20 mil trabalhadores se colocaram como força concreta nessa luta, transformando idéias em força material. O cerne da motivação da maioria dos petroleiros em greve é que a Petrobras seja uma ferramenta pra colocação em prática de um projeto de soberania popular no Brasil. O controle da energia é central pra isso. Tanto porque a energia é um dos principais motores da economia quanto porque a renda da indústria petroleira é importante pra desenvolver pro povo e com o povo o Brasil. A greve petroleira foi realizada no meio de um gigantesco jogo de poder geopolítico, em que o aprofundamento aceleradíssimo da privatização do sistema Petrobras (passar de Petrobrás pra Petrobras, aliás, foi parte desse longo processo, que agora está numa fase especialmente acelerada) é parte do projeto de reforço dos Estados Unidos (e dos seus sócios minoritários, como a Europa Ocidental) diante da aliança China-Rússia, em expansão. Os EUA reforçam a sua Doutrina Monroe (o continente americano pertence aos Istêitis), ainda que mantenham um acordo, que tentam controlar, que permite (porque mantêm alguns interesses em comum e porque não conseguem impedir) que mesmo inimigos em termos geopolíticos se apossem de amplas partes do sistema Petrobras e do Brasil em geral, contanto que o controle geral imperialista no nosso território fique com o Tio Sam. A cúpula da Petrobras e do governo são prepostos desse(s) imperialismo(s) por aqui. O Bolsonaro bate continência pra bandeira usamericana, o Castello Branco revela o seu evidente sonho de privatizar completamente a Petrobras, o Paulo Guedes (o mais tirano de um governo de ditadores) afirma que, se fosse presidente da empresa, demitiria todos os grevistas, o Salim Mattar confessa que vai privatizando o conglomerado por fatias pra disfarçar e diminuir a resistência... Todos esses (Chicago) boys do Tio Sam ganham fortunas pra fazer esse trabalho sujo de destruição do Brasil.

Considerando que a greve petroleira é um dos principais instrumentos na luta contra o aprofundamento aceleradíssimo da (re)colonização do Brasil, é importante avaliarmos como foi feita concretamente e como ela foi encerrada.

No dia 20 de fevereiro, a greve foi encerrada, num contexto em que a Federação Única (?) dos Petroleiros (FUP) indicou a suspensão do movimento. Apesar de muitos trabalhadores considerarem esse indicativo ruim, ele acabou sendo aprovado nas assembléias. Pesou (muito) pra isso a combinação de dois fatores, entre outros: o medo de demissões (telegramas da empresa já estavam chegando nas casas dos grevistas, ordenando que voltassem imediatamente ao trabalho, sob pena de demissão) e a ainda insuficiente auto-organização dos
trabalhadores, por baixo (pelo chão de fábrica e pelo chão de escritório), o que dificulta muito que se sintam capazes de prescindir de cúpulas sindicais, especialmente da FUP. Apesar da greve estar forte, ela tinha essa como uma das suas fraquezas.

 

Cortina de fumaça

Dois dias antes, a FUP havia enviado um ofício ao presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra da Silva Martins Filho, no qual dizia que a suspensão da greve dependia da aceitação, por parte do TST e da hierarquia da Petrobras, dos seguintes pontos: suspensão da aplicação da nova tabela de turno nas unidades operacionais da Petrobras e de suas
subsidiárias; suspensão das medidas arbitrárias e unilaterais; negociação dos dias parados; negociação das multas aplicadas aos sindicatos e restabelecimento do repasse das mensalidades às entidades sindicais; e retorno das partes à negociação pra tratar das dispensas coletivas da Fafen-PR; das tabelas de turno e outros temas constantes nas Comissões, nos Grupos de Trabalho do ACT 2019/2020 e na Mediação do TST (banco de horas, transferências sem negociação, retiradas dos cartões de ponto dos locais de trabalho...), no prazo mínimo de 30 dias, sob nova mediação no TST (https://www.fup.org.br/…/24983-apos-intermediacao-de-parlam…). Esse ofício foi protocolado nos autos do processo sobre a greve (https://pje.tst.jus.br/…/detalhe-…/1000087-16.2020.5.00.0000) pouco depois da desembargadora Rosalie Michaele Bacila Batista, do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (TRT-PR), ter decidido que a Petrobras deveria suspender, até o dia 6 de março, as demissões dos 396 empregados da Fábrica de Fertizantes Nitrogenados do Paraná (Fafen-Paraná), também chamada de Araucária Nitrogenados S.A. (Ansa) que a Petrobras decidiu fechar (https://g1.globo.com/…/petrobras-vai-hibernar-fabrica-de-fe…). O vídeo da audiência no TRT-PR (https://youtu.be/c-HxazBDayE - prestem especial atenção ao trecho que vai de 2h28min50s até 2h29min25s) mostra nitidamente como a suspensão temporária das demissões não significa(va) o cancelamento dessas demissões. Pelo contrário, o discurso era apenas, no final das contas, de adiar pra negociar que os empregados demitidos saíssem eventualmente com algo a mais (por mais que, também de maneira indireta e pouco provável, se fala(sse) em alguns serem eventualmente aproveitados na prória Fafen-PR durante o período em que a fábrica ficar hibernada ou incorporados na Petrobras, a mensagem de que as demissões não vão ser revertidas é (era) a principal). Além disso, esse documento da FUP, mesmo diante de graves ameaças por parte da hierarquia da Petrobras, notadamente após o Ives Gandra ter decretado que ela poderia demitir por justa causa trabalhadores em greve (https://g1.globo.com/…/ministro-do-tst-considera-greve-abus…), não coloca diretamente como condição pra suspensão da greve nenhum grevista ser demitido ou sofrer qualquer punição. O minúsculo recuo proposto pelo judiciário (quase uma cópia da proposta feita pela FUP - o que é simbólico), mais próximo até de uma cortina de fumaça pra ajudar a desmontar a greve, foi aceito pela FUP. É interessante destacar que o Gerson Castellano, representante da FUP, afirma na audiência (ou seja, antes mesmo da reunião do Conselho Deliberativo da instituição) que vai ser indicada a suspensação da greve se houver a suspensção das demissões até 6 de março, pra negociar. Parece que a decisão já estava tomada.

Na reunião de mediação com o Ives Gandra em 21 de fevereiro (http://www.tst.jus.br/…/petrobras-e-federacoes-chegam-a-aco…), ficou nítido, mais uma vez, que a linha não é, na prática, de buscar realmente que os empregados da Fafen-PR não sejam demitidos (e, menos ainda, os terceirizados - por mais que a FUP faça discursos de que está defendendo 1000 famílias). Isso ficou reforçado na reunião de mediação de 27 de fevereiro (http://www.tst.jus.br/…/asset_publ…/89Dk/content/id/25126170), quando o Ives Gandra colocou na mesa o encaminhamento de manter as demissões, mas aumentar o pacote de indenizações.

 

Conciliação de classes e política como espetáculo

Ainda que possamos levar em consideração que muitas vezes a luta mais direta precisa ser acompanhada de diplomacia, que ganhar tempo muitas vezes é uma tática importante e o risco da hierarquia do sistema Petrobras começar a demitir os grevistas, a FUP aceitar terminar a greve sem nenhuma garantia, além da suspenção das demissões até 6 de março, é um problema. Negociar em greve costuma dar mais força ao sindicato do que negociar tendo saído do movimento. É importante ressaltar, nesse sentido, que não é fácil voltar rapidamente pruma greve, especialmente uma greve longa, depois de retornar ao trabalho, ainda mais que, ao irem pra mediação, os sindicatos, na prática, abriram mão do julgamento sobre a legalidade da greve e, portanto, a espada do decreto de ilegalidade continua como um fantasma a assombrar a categoria. Assim, há fortes indícios de que a FUP tenha norteado essa decisão muito mais por conta de interesses próprios do que pensando nos interesses da categoria petroleira e muito menos ainda nos interesses do conjunto do povo trabalhador brasileiro. Os indícios, aliás, já vinham de antes. Lembremos, por exemplo, que, no dia 12 de fevereiro, a FUP, junto com a Central Única (?) dos Trabalhadores (CUT) e parlamentares próximos a essas instituições, como a Jandira Feghali, do PCdoB (cujo nome oficial é Partido Comunista do Brasil, mas que, no campo da esquerda mais crítica ao capitalismo, é chamado de PseudoB), se reuniu com o
presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e com o do Senado, Davi Acolumbre, e, após o encontro, deu destaque pro suposto compromisso deles de conversar com o governo pra que o diálogo fosse aberto pela empresa em torno das demissões na Fafen-PR (https://revistaforum.com.br/…/petroleiros-se-reunem-com-ma…/). Lembremos que, tanto o Rodrigo Maia quanto figuras da dita esquerda, têm falado bastante da necessidade de uma Frente Ampla das forças "civilizadas" contra o que apresentam, na média, como excessos do bolsonarismo. Embora haja disputa pra hegemonizar essa frente, o Rodrigo Maia, que tem posado de Poder Moderador, dá o tom principal: o liberalismo que quer comer com garfo e faca. O Bolsonaro arrota à mesa. Faz o liberalismo pagar mico. Escancara a face mais profunda do liberalismo e, portanto, a mais verdadeira, que os liberais não querem ver quando se olham no espelho. Preferem o disfarce que permite a hipocrisia dos salões mundanos, do chá das cinco com a Rainha da Inglaterra, aquela hipocrisia que é tão naturalizada que nem se vê mais como tal. O problema não é ter sangue nas mãos, mas as luvas não conseguirem escondê-lo. Quando houve esse encontro da FUP com o Maia e o Acolumbre, o discurso fupista passou mais diretamente pra lógica do "temos que sair da greve", por mais que, de forma planejada, tenha mantido no envelope desse conteúdo a marca greve (marca num sentido mercadológico).

A lógica de marca, de mercado (político), foi um dos pilares sobre os quais a FUP se organizou nessa greve. Alguns elementos se destacam nesse sentido. Ter iniciado o movimento sem sequer conversar com os sindicatos que não controla, ocupar uma sala no Edise com 5 dirigentes apresentados o tempo todo como heróis (potencializando essa narrativa com as transmissões, muitas delas ao vivo, lá de dentro), não aceitar, de forma alguma, a constituição de um comando nacional unificado da greve, eleito na base, e acionar a sua rede social concreta pra manter sempre em evidência a sua marca, dentro e fora das redes sociais virtuais, são alguns desses elementos. A FUP maneja bem os símbolos e com os símbolos oculta que a imagem de luta é, no final das contas, pra conter a luta. Me lembrou o governo dos Jules que, no contexto da França socialmente conflagrada em meio a uma guerra contra a Prússia, em 1870, manejou com habilidade a imagem de república pra que o povo não tomasse em suas mãos a coisa pública, como explica detalhadamente o historiador francês Henri Guillemin (https://www.youtube.com/watch?v=PwXwDp3Ze7Q). A FUP produz bem imagens e isso é importante na política, principalmente num contexto de sociedade do espetáculo, em que estamos, mas se torna um grande problema se fizermos da política imagem. O Guy Debord, autor justamente do livro A sociedade do espetáculo, advertiu que "o espetáculo é o capital em tal grau de acumulação que se torna imagem". Uma política-imagem é, em última instância, uma política do capital.

Os principais objetivos da FUP com a greve, a meu ver, não têm relação com reverter o processo privatista em curso (que, na sua fase geral de venda de ativos, foi iniciado ainda com a Dilma), nem mesmo com os objetivos mais diretos elencados como motivos da paralisação, como reverter as demissões na Fafen-PR (fruto do privatismo) e o combate às imposições da hierarquia da empresa em questões como a tabela de turno dos operadores das refinarias, dos terminais e das termelétricas. Têm a ver com os seguintes pontos, entre outros: 1) aparecer como de luta, forte e "única", tanto pra dentro como pra fora da categoria petroleira, pra manter sob a sua direção os sindicatos que detém e como preparação do terreno pra tentar tomar a diretoria do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro neste ano, pois esse sindicato sempre foi importante, pela sede da empresa ser no Rio e por ser a base territorial de uma grande parte da categoria, mas se tornou ainda mais estratégico com a
concentração cada vez maior da Petrobras sobretudo no Sudeste, com o fato de mais da metade das refinarias estar colocada à venda (todas em bases atualmente com sindicatos fupistas) e com hoje em dia algumas das maiores plataformas do pré-sal serem oficialmente representadas por esse sindicato (pra se apresentar assim, a FUP precisava fazer "esquecer" que atuou pra não ter greve durante a "negociação" do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) no ano passado); 2) ajudar na busca de reposicionamento do PT no mercado eleitoral (a greve coincidiu com a comemoração de 40 anos do PT, contexto no qual alguns quadros do partido têm dito que a agremiação precisa radicalizar se não quiser perder relevância eleitoral; muito provavelmente, não organizam uma verdadeira radicalização, mas apenas uma radicalização de fachada, pensada especialmente pra alguns públicos (algumas parcelas do mercado político), com um step de "paz e amor" prontinho pra quando não for necessária (novamente) nem mais essa fachada; ou seja, feita na medida pra parte da classe mídia, aquela que está incomodada com o Bozo e com o privatismo (no fundo, só quando o privatismo passa de um determinado grau e ameaça seus empregos), mas que não quer lutar contra isso; e 3) reforçar seu capital simbólico pra ter mais margem de barganha, junto à tecnocracia mais direta privatista que manda na Petrobras, nas negociações sobre a sua parte do bolo no pós-privatização ainda mais completa (considero que essa lógica já foi utilizada pela FUP na greve de 2015, mas agora foi com um espetáculo mais complexo; e, durante a "negociação" do ACT de 2019, alguns dirigentes fupistas disseram literalmente "há vida após a privatização"). Isso não signfica que a FUP prefira uma privatização ainda mais completa do sistema Petrobras nem que pra ela esteja no tanto faz. Ainda que a sua cúpula se sinta aliviada pelo aprofundamento
aceleradíssimo da privatização da Petrobras estar sendo feito pelo Bolsonaro e antes pelo Temer, porque sabem que a Dilma, que iniciou essa fase geral de venda de ativos e que já estava pisando bastante no acelerador privatista, é quem, se não tivesse tomado uma banda de conspiradores, o estaria fazendo ainda (a menos que os trabalhadores conseguissem travar), desgastando muito o PT (e a própria FUP), a FUP prefere que a privatização não vá (pelo menos) muito adiante, pois tem plena consciência de que, com uma Petrobras ainda (muito) mais privatizada do que já está, um governo do PT não disporia de uma ferramenta mais consistente pra fazer uma política de conciliação de classes mais concretamente (isso sem falar numa política externa como a que o ministro das relações exteriores com o Lula, Celso Amorim, chamava de ativa e altiva). O problema é que a FUP, embora prefira isso, não parece disposta a colocar os seus interesses próprios e se dedicar realmente a pelo menos impedir que a privatização da Petrobras passe de onde está (o que já seria pouquíssimo, mas bem menos ruim do que o rumo atual). Isso é especialmente grave, porque o ponto de não-retorno, isto é, o ponto a partir do qual só uma luta muito mais ampla e muito mais forte do que a já imensa luta necessária pra frear o privatismo, hoje completamente ausente do horizonte brasileiro, poderia resolver, está muito próximo, ainda mais com a Caixa e o Banco do Brasil vendendo as suas participações acionárias na Petrobras (https://g1.globo.com/…/caixa-levanta-r-73-bilhoes-com-venda…).

No dia 4 de março, o encaminhamento do Ives Gandra em relação aos demitidos da Fafen-PR foi aprovado, por maioria, na assembléia realizada pelos fupistas na fábrica (https://www.fup.org.br/…/25022-sem-margem-para-nova-negocia…). Ou seja, o que os críticos à suspensão da greve prevíamos aconteceu. As demissões foram mantidas.

 

A autonomia necessária

De acordo com o conjunto dos sindicatos petroleiros, a greve foi feita por cerca de 20 mil empregados, de mais de 100 unidades do sistema Petrobras. Se na área administrativa foram pouquíssimos, na área operacional, inclusive na jóia da coroa (da jóia da coroa) que é o pré-sal, a adesão foi grande, ainda que aquém de 1995 (e, em alguns locais, com menos força do que em 2015). Os prepostos das transnacionais estrangeiras de petróleo e dos bancos e fundos de investimentos que dominam a Petrobras utilizaram cada vez mais cartas especialmente anti-éticas contra a greve, como a antecipação de pagamento do chamado Prêmio por Performance (PPP) pra parcela dos empregados que não estavam em greve (e que preencheram os requisitos da meritocracia estreita e voltada pra lógica privada), ao mesmo tempo em que aplicou cortes nos salários dos grevistas (e os ameaçou de diversas formas). Ou seja, a hierarquia corrompeu ainda mais os empregados que furam a greve e aumentou ainda mais os seus próprios ganhos (ainda mais que isso está dentro de uma política de aprofundamento gigantesco do já abissal fosso entre a menor e a maior remuneração na empresa, assim como entre quem está na hierarquia e quem não está). Mesmo diante disso, mesmo diante dos descontos dos salários dos grevistas, mesmo diante das ameaças de demissão por justa causa, mesmo com medo, os trabalhadores resistiram durante alguns dias. Mas, mesmo a greve sendo conseqüência da tomada cada vez maior de consciência por uma grande parte dos empregados que, com a privatização em andamento, o horizonte próximo é de demissão em massa (e de que, principalmente face ao desemprego estrutural no Brasil, a probabilidade é grande de que muitos acabem em subempregos ou mesmo desempregados durante muito tempo), não foi possível, por uma série de fatores (dentre os quais ainda ser bastante desigual o nível de consciência de classe e a auto-organização dos petroleiros, pela base, ainda ser muito insuficiente), manter a greve depois que a FUP indicou a suspensão do movimento. Em última instância, a maioria da parcela dos trabalhadores que estavam em greve e que achavam que o necessário seria que a greve continuasse não se sentiu com força suficiente pra continuar a greve mesmo sem um apoio concreto da FUP. Apesar de uma parcela considerável dos petroleiros ser crítica à FUP, a FUP ainda é o pólo político que dirige o movimento sindical petroleiro nacionalmente. Sua máquina de propaganda, ajudada pelo apoio de setores como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a União Nacional dos Estudantes (UNE), assim como o capital relacional que, junto com esses setores, tem à disposição, inclusive em nível internacional, faz com que muitas pessoas, inclusive petroleiras, que não acompanham e, sobretudo, não analisam mais de perto e de modo mais aprofundado o movimento sindical petroleiro (entendido de modo amplo, pra além das suas estruturas oficiais) acabe sucumbindo ao "(apesar da FUP,) tem que seguir a FUP".

 

Os petroleiros e o povão

Se tivesse durado mais tempo, a greve poderia ter conseguido pelo menos dificultar mais o privatismo. Ainda que houvesse o risco de desmobilização dos grevistas se a empresa começasse a demitir participantes do movimento (e levar isso em consideração, pensando numa saída coletiva organizada da greve, era uma questão de responsabilidade com a luta contra o privatismo), também havia a possibilidade do movimento crescer, inclusive porque estava começando a dar esperança a trabalhadores de outras categorias e pressionava, na prática, pra que outras categorias entrassem em greve, contribuindo pra construção de uma greve geral. E não apenas agia mais diretamente em relação a outra categorias. Influenciava mais diretamente também do que em tempos "normais" o povão, notadamente com atividades como a venda subsidiada de botijões de gás de cozinha pra mostrar que a política de preços de derivados praticada na Petrobras desde o Pedro Parente (e esboçada, em algum grau, ainda com a Graça Foster), de atrelamento à cotação internacional do barril do petróleo e do dólar (e com acréscimo dos custos de importação - tudo isso aplicado mesmo no petróleo produzido no Brasil), encarece muito o botijão de gás (produto fundamental pra grande parte das famílias do povão no país) e prejudica o povo. Pra mostrar que essa política já é parte da privatização da Petrobras e que, quanto mais privada for a empresa, mais o povo trabalhador vai ser prejudicado e que, portanto, é necessário o povo lutar junto com os petroleiros
contra a privatização do sistema Petrobras e do setor de energia no Brasil. Esse tipo de ação em periferias deve fazer parte do cotidiano da luta petroleira, mas uma greve potencializa a sua visibilidade (mesmo com a mídia mais diretamente mercantil dificultando essa visibilidade). Apoios internacionais à greve estavam começando a se expressar. E a hierarquia da empresa estava começando a ter dificuldade com a contingência, na medida em que os empregados que estavam substituindo os grevistas nas áreas operacionais estavam ficando bastante cansados. Também o impacto na produção, que já estava acontecendo (a hierarquia da empresa fez um jogo duplo ao dizer pra imprensa que a produção não tinha sido afetada e, ao mesmo tempo, dizer pro judiciário que a produção estava bastante afetada) seria mais sentida pela empresa.

No texto Como a esquerda brasileira morreu (http://www.ihu.unisinos.br/…/596214-como-a-esquerda-brasile…),
o professor Vladimir Safatle ressalta que a esquerda brasileira ainda paga o preço por ter sido formada pra coalização e pra negociação e que isso está prejudicando imensamente a luta contra o fascismo do capital. A FUP é uma expressão disso na categoria petroleira. Mesmo quando participa da organização de movimentos de massa fortes na categoria, canaliza essa força coletiva sobretudo pra lógica da conciliação. Essa forma de agir geral da FUP não é uma novidade. É simplista, nesse sentido, dizer que a FUP traiu a greve. A traição é bastante "consentida" nesse caso, na medida em que a FUP não enganou propriamente sobre a sua lógica, ainda que a tenha embalado desta vez com mais distrações. A traição está na própria lógica de fundo, socialmente "invisível". Quando o Trotsky escreveu, em 1936, A revolução traída, mostrando como o stalinismo estava destruindo a revolução socialista na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), o país estava num crescimento acelerado e a propaganda stalinista era poderosíssima. Mas o Trotsky previu que o stalinismo levaria ao fim da URSS. Ou superamos o fupismo ou nossa luta continuará sendo traída, não necessariamente por um plano meticulosamente arquitetado, mas porque, independentemente disso, a direção de fundo pra onde o movimento acaba sendo guiado é a da conciliação com o privatismo. O melhor antídoto em relação a esse problema passa, a meu ver, pela construção de uma organização dos petroleiros pelo chão de fábrica e pelo chão de escritório, que se articule sobretudo com o povão, também sem pedir a bênção a cúpulas. Diante do quadro gravíssimo no qual estamos, dois erros me parecem graves: o isolamento, por um lado, e o alinhamento, por outro. A unidade na luta contra a privatização da Petrobras é importante, mas sem uniformidade e sem subordinação. E, pra isso, é necessário que os petroleiros estejamos dispostos a não esperar pra seguir um maestro (ou uma maestrina), mas que sejamos, coletivamente, ao mesmo tempo maestros/maestrinas e orquestra.

 

Antony Devalle é trabalhador da Petrobrás e integrante do grupo autônomo de trabalhadores petroleiros Inimigos do Rei. É um dos fundadores e editores do Portal Autônomo de Ciências.

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