O Amanhã Não Vai nos Esperar
Texto escrito por Ale para o Centro de Mídia Independente.
Para que não haja dúvidas
Quem somos nós? Quem são eles? É comum usarmos palavras com muitos sentidos e significados abstratos para nos referir às partes de uma narrativa. É importante, portanto, deixar claro a quem se referem essas palavras. Ou seja, quem somos nós, e quem são eles.
Por nós, podemos entender todos aqueles e todas aquelas que não detém o poder. O poder financeiro, o poder político, o controle social. Todos e todas que estão por baixo. Que são subjugados a uma classe mais poderosa, seja ela a burguesia ou a política, que tendem a se misturar mais do que pensamos. Nós, então, somos o povo. A classe trabalhadora. Você vive do seu trabalho? Então esse texto é para você.
Por eles, podemos entender nossos inimigos. Inimigos pois atuam contra nós na luta de classes. Ou seja, falamos da classe dominante, burguesia ou política, daqueles que detém o poder. Você vive à custa do trabalho de seus subordinados? Então esse texto não é para você, mas contra você.
Sociedade em Disputa
Provavelmente não é novidade para a maioria de vocês que vivemos em uma sociedade em constante disputa. Disputa política, disputa ideológica, disputa de classes. A forma como vivemos não é um objeto concreto e dado por uma força superior, moldado ao espelho da perfeição, imutável e moralmente correto. Não. A forma como vivemos foi construída historicamente a partir do conflito e da dominação. A forma como vivemos é resultado direto das consequências da luta de classes no passado.
Então vamos pensar da seguinte maneira. Se a disputa do passado moldou o presente, então a disputa do presente pode moldar o futuro, certo?
Sim! O que fizermos agora no sentido de construir uma transformação social vai ecoar pela linha da História. A luta de classes no presente tem o poder de transformar o futuro. Alguém, em talvez não muito tempo, pode estar escrevendo um texto sobre as transformações sociais decorrentes de um processo histórico que nós podemos vivenciar hoje.
Portanto, é absurdo e irresponsável abdicar do nosso papel de sujeito da transformação política. Falo isso sobre todos nós. Qualquer um ou qualquer uma que pertença à nossa classe. Todos e todas temos o poder de influenciar nessa transformação e, portanto, devemos fazê-lo.
Como? Organizando-se em coletivos, movimentos sociais, grupos de afinidade, assembleias populares… qualquer espaço político que tenha como fim conquistar maior poder para o povo. Falaremos disso com mais profundidade mais à frente.
Covid-19
Nosso tempo é de cautela. De autopreservação. Vivemos uma crise que não decorre diretamente do novo Coronavírus, mas foi agravada por ele. A recessão econômica é uma conjuntura perigosa para nós, que vivemos do nosso trabalho.
A Covid-19, mais do que acelerar uma crise já programada do sistema capitalista, está mostrando claramente a ineficácia e a desumanidade da sua lógica mais básica e intrínseca. Os lucros vêm acima da vida. A preocupação dos governantes com a economia é tão grande que sua atuação ocorre única e exclusivamente no sentido de garantir a manutenção do status quo. Vide o projeto de Bolsonaro que, cruelmente, suspendia os contratos de trabalho por 4 meses em meio a uma pandemia, deixando o povo trabalhador completamente desamparado e nos jogando aos lobos.
Já que usamos esse projeto como exemplo da forma como os políticos buscam defender ao máximo os interesses das classes dominantes diante da crise do sistema capitalista, vamos usá-lo também para ilustrar a disputa em curso. A parte que suspendia os contratos de trabalho foi retirada do projeto do governo no mesmo dia, após uma forte pressão popular nas redes. Com medo de se enfraquecer ainda mais, Bolsonaro voltou atrás. Foi uma vitória? Não. O restante do projeto, ainda tenebroso, avançou. Mas serviu para demonstrar que não podemos abdicar de nosso papel da disputa política em curso.
A crise acelerada pelo Covid-19 abre discussões importantes a respeito da sociedade na qual vivemos. A lógica capitalista é posta em cheque, e as narrativas de defesa da vida e da solidariedade ganham força. Fica cada dia mais evidente que o sistema capitalista é incapaz de administrar crises sem atacar diretamente a existência daqueles que trabalham. Portanto, abre-se margem para a transformação social. A demanda por um sistema que atenda nossos anseios por liberdade, igualdade e solidariedade cresce, e com ela a rejeição ao que nos é dado.
Precisamos de uma transformação social agora. Ela é necessária e urgente. Mais do que nunca, diversos setores da sociedade colocaram seus projetos político e ideológicos à prova. É um momento de intensa disputa de narrativas e a nossa não pode estar de fora. É preciso recuperarmos nosso ânimo, nossas ferramentas históricas de luta e propaganda, e reconquistarmos um espaço que é nosso por direito. O espaço da política. E não a política formal, institucionalizada, mas aquela do dia a dia, do trabalho de base, da construção coletiva e horizontal de um novo projeto de sociedade. É preciso de opor firmemente contra nossos inimigos agora. Tentarão, a todo custo, defender a manutenção de um status quo que agride, explora e suga tudo que nós temos em prol do crescimento daqueles que tem tudo. Tentarão impor sua vontade sobre nossos anseios a partir da repressão e do medo. O medo da fome, da morte, da perda. Nosso dever é não abaixar a cabeça e resistir a tudo isso, e avançar cada vez mais, com nossos movimentos sociais, assembleias populares e coletivos, rumo a um mundo solidário, justo, igualitário e livre.
Para os Anarquistas
Claro que pouca coisa do que eu disse é novo para aqueles que já se empenham na luta por esse projeto de sociedade desde antes do grito conjuntural do Corona Vírus. Aqueles e aquelas que se denominam anarquistas, autonomistas, comunistas libertárias, já defendem essa narrativa há anos. E sempre sofreram as consequências de ousar sonhar com um mundo novo de todos os lados. A repressão, o boicote pelos partidos e coletivos partidários, a perseguição política. E agora, afim de defender a manutenção dessa sociedade, os mais ricos usarão de todos os artifícios para silenciar aqueles que gritam contra eles.
Qual a função do anarquista diante dessa encruzilhada?
O anarquista, além de defender uma bandeira ideológica de libertação social, é um trabalhador, uma trabalhadora. É um explorado, uma explorada. A função do anarquista não é nova. Não se trata de comandar a transformação social, impor nosso projeto de sociedade sem classes e sem Estado, guiar o povo para o caminho que defendemos. Não. O momento é de nos reconhecermos ainda mais como parte desse povo que almejamos convidar para lutar ao nosso lado. Somos parte de nossa classe!
Portanto, nossa função enquanto anarquistas é a de fomentar tudo aquilo que foi dito no caítulo anterior. Devemos dar nosso máximo para construir espaços políticos horizontais e combativos, fortalecer movimentos sociais atuantes e construir novos, propagandear nosso projeto de sociedade entre nossos colegas e nossas colegas de trabalho, convidar a todos e a todas com almejam também a construção de um novo mundo para se juntar a esses espaços. Combater com toda nossa vontade ao oportunismo e ao peleguismo que tente se instaurar em meio ao processo de transformação social. O caminho é pelos movimentos sociais, é pelo povo organizado sem instituições, sem partidos, sem empresas e sem líderes. Se queremos uma sociedade livre e igualitária, devemos construir nossas alternativas concretas aqui e agora. O amanhã não vai nos esperar.