Rio de Janeiro-RJ: ato pelo dia da Consciência Negra - Sem-Teto no Leblon (MTST)
No dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra, os Sem-Teto da ocupação Zumbi dos Palmares de São Gonçalo realizaram um ato no Leblon (considerado um dos metro-quadrado mais caros do mundo) lutar contra o racismo, quebrando as fronteiras que separam os ricos dos pobres.
Foram 10 ônibus lotados fretados pelo movimento que levaram centenas de Sem-teto ao Leblon, ocupando uma faixa da praia localizada entre o canal e o posto 11.
O clima era de festa, com roda de samba e musicas contra o racismo, isopor, quentinhas para o almoço e claro, muita farofa! Sem hipocrisia e muita alegria. Crianças, adolescentes e adultos se divertiam na água do mar. Para o almoço, todos tinham suas quentinhas e isopores trazidos de casa, enquanto sanduiches eram vendidos a R$ 10 nos quiosques e por ambulantes.
Para muitos frequentadores da praia e moradores da região, a presença dos sem-teto assustou. Embora os olhares de estranhamento fossem muitos, isso não intimidou as famílias que vieram de longe e já esperavam ter que lidar com o preconceito. Na verdade, este ato em pleno feriado de Zumbi era uma afronta aos estigmas históricos e a segregação que envolve as diferenças sociais e étnicas. “Invadimos a sua praia playboyzinho”, disse uma moça no instante em que todos estavam indo do calçadão à praia.
O nosso passado vergonhoso de escravidão pode ter acabado, mas a opressão que esses mesmos povos sofriam permanece atualizado, com espaços segregados entre ricos e pobres, isto é, entre os tataranetos dos senhores e os tataranetos dos escravos.
Grande parte desses Sem-Teto nunca tinha entrado no mar da Zona Sul do Rio de janeiro e era nítida a alegria de todos: “esse é o dia mais feliz da minha vida”, disse uma senhora que nunca tinha ido a praia do Leblon; “a gente está maravilhosamente bem aqui, olha só a alegria do povo”, foi o discurso de Elizabete que ganha R$ 400 por mês e paga R$ 200 de aluguel para o dono do terreno em São Gonçalo, onde está a casa que ela mesma construiu.
Apesar de São Gonçalo e Leblon não serem tão distantes de fato (apenas 40 km), para quem pode pagar os altos preços das tarifas de transporte coletivo, mas para Elizabete, com seus R$ 200 que sobra por mês para viver, os aproximados R$ 17 que ela precisaria para ir e voltar ao Leblon de sua casa torna a distância entre os dois lugares muito maior. Esse é um dos muros que separam a “casa grande” da “Senzala” do Brasil do século XXI.
A alegria desse dia não era apenas pelo belo passeio à praia do Leblon, mas pelo seu grande significado simbólico. Esses muros do “Apartheid” não são tão explícitos como os muros de acrílico que separam as comunidades à beira da Linha Vermelha, nos trechos que dão acesso ao turistas pelo Aeroporto Internacional Tom Jobim, mas mesmo assim, foram evidenciados para todo mundo que tenta esconder ou finge não ver.
É esse “rompimento” que explica o “estranhamento”, ou mesmo o ”susto”, das pessoas do Leblon com relação às pessoas de São Gonçalo que “invadiram sua praia”. Praia essa bastante seleta, onde os ônibus que vêm das regiões periféricas são revistados, e o jovem negro é estereotipado como “ o perigo”. Como disse Elizabete, “Perigo é o homem de gravata” [...] “uma pessoa que usa sandália de dedo não pode ser perigosa, agora aquele que engraxa o sapatinho, aquele é o perigoso”.
O “homem de gravata” é a representação que ela deu ao opressor do pobre que lucra com a exploração. É esse opressor também que constrói o imaginário de que a pobreza é uma praga que deve ser eliminada ou uma doença que deve ser mantida distante. É o engravatado dos telejornais que apenas mostra o crime associado ao negro pobre, de forma distorcida, transmitindo o sentimento de que a favela é lugar de bandido e esquece de mostrar a verdadeira realidade dos vários Amarildos, DGs e Claudias.
♫ “Criar, criar, o poder popular!” ♫
Mas enquanto houver opressão sempre haverá a luta pela liberdade e a luta dos Sem-Teto continuará e é legítima, não só pelo direito constitucional à moradia, mas porque perpassa pela luta contra a opressão do povo pobre, à séculos colocado sempre à margem, do mesmo modo que seus antepassados, escravos, eram colocados à margem até mesmo de seu direito à humanidade.
Para nós Elisabete conclui:
“Estamos todos organizados para isso, para a gente conseguir um teto, para a gente conseguir onde morar, um lugar onde que nossos filhos possam pisar no chão, aonde não tem vala negra, entendeu? Aonde a água é limpa, pura [...] Para nossos filhos terem uma coisa melhor, para poder abrir uma janela e poder ver as cosias bonitas, as coisas que a gente pobre não pode.”
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