Sobrevivência Coletiva
Por: JORNAL VOZ DAS COMUNIDADES – JULHO DE 2010
Economia Solidária: Reformismo ou Libertação?
Segundo o titular da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENES) Paulo Singer, a Economia Solidária vem crescendo em torno de 20% ao ano. Hoje já seriam 2 milhões e 500 mil pessoas integradas a esse tipo de economia.
O Rio Grande do Sul estaria em primeiro lugar e o Ceará em segundo. O Nordeste é a região a onde existe o maior número desse tipo de empreendimento.
Em 2007 a Economia Solidária movimentou 8 bilhões de reais, segundo o secretário da SENES.
O que é Economia Solidária?
Segundo várias publicações de diversas entidades, Economia Solidária é uma maneira diferente de produzir, vender, comprar e trocar. É uma economia que tem como centro o ser humano, e não o lucro. Não explora ninguém porque não tem patrão.
A Economia Solidária é uma prática que tem como princípios: Autogestão, Democracia, Solidariedade, Cooperação e Respeito à Natureza.
Em nossas Comunidades Populares, a Economia Solidária são os Grupos de Sobrevivência Coletiva: GIC e Ponto de Caixa (finanças); GPC (produção); GVC (compras, vendas e trocas de mercadorias) e GTC (prestação de serviços).
Como surgiu a Economia Solidária?
Depende de como fazemos o estudo da história. Se olharmos só a história recente, chegaremos à conclusão que a origem da economia solidária foi a partir do fortalecimento do Neoliberalismo na década de 90, que desempregou muitos trabalhadores. Na falta de perspectiva de conseguir um novo emprego, surge a Economia Solidária como alternativa.
Se procurarmos aprofundar mais a história, vamos ver que esse tipo de economia a classe operária já experimentou no século 19, na Europa e nos Estados Unidos antes do advento do Marxismo. Era o chamado Socialismo Utópico com suas cooperativas de produção, consumo, vendas, créditos, etc.
Porém, antes do surgimento da classe operária, foram os camponeses que praticaram a Economia Solidária. Durante toda sua história, fizeram inúmeras experiências de economia coletiva pra produzir e ou comercializar seus produtos.
A religião sempre foi a ideologia desses grupos coletivos.
Na pré-história, as Comunidades Primitivas sobreviviam da economia coletiva. Ninguém era dono dos rios onde os humanos pescavam; das matas onde colhiam as frutas e dos animais que eram caçados para as pessoas se alimentarem.
NO BRASIL
Nesse país os povos indígenas, antes da invasão portuguesa, sobreviviam do trabalho coletivo.
Os escravos, quando fugiam, criavam Quilombos onde produziam coletivamente.
Os camponeses praticavam o trabalho coletivo através dos mutirões e troca de dias para plantar ou colher suas lavouras. Abrir estradas, fazer pontes, construir salão de festas, casa de oração, cemitérios, etc.
Essa prática era comum nas áreas camponesas. Mas havia também algumas experiências de economia solidária que foram verdadeiros questionamentos ao sistema vigente. Exemplo disso foi Canudos, na Bahia (1897) e Caldeirão, no Ceará (1934). E centenas de outras experiências em várias regiões do Brasil.
A classe operária brasileira, no começo de sua história, influenciada pelos imigrantes anarco-sindicalistas, iniciou uma organização independente e autônoma dos trabalhadores. A partir de grupos com suas caixas de ajuda mútua nas fábricas e da organização sindical como escola de luta e formação, defendiam uma sociedade igualitária.
Essa experiência foi abortada pelo populismo autoritário do governo de Getúlio Vargas. Reprimiu a vanguarda operária e cooptou a massa mais atrasada através do Ministério do Trabalho.
Com o fim do anarco-sindicalismo, surge o PCB (Partido Comunista do Brasil).
Apesar da política de sua direção sempre estar desligada da realidade do povo, alguns militantes de base realizaram excelente trabalho de organização dos trabalhadores.
Dois exemplos ilustram bem esta afirmação. O Sindicato dos Mineiros de Nova Lima – MG (1934-1944), e a Reforma Agrária dos posseiros de Trombo e Formosa, em Goiás (1954/1964).
Como podemos ver a Economia Solidária não nasceu agora, e nem surgiu da cabeça de alguns intelectuais nas universidades. Ela faz parte da vida dos trabalhadores desde a pré-história. Seja em outras regiões do planeta, seja aqui no Brasil.
Por isso, nós sempre repetimos: “Antes de ensinar ao povo, devemos aprender com ele”.
A Economia Solidária corre o risco de se tornar como a “cidadania”, que todos concordam, mas quase ninguém pratica?
A Economia Solidária virou mania. Movimentos, Entidades, ONGs, Igrejas, Governos, até empresários, são a favor da Economia Solidária. Se por um lado isso é bom, por outro é perigoso. As classes dominantes são especialistas em apoiar o que não conseguem destruir para esvaziar o seu conteúdo libertador. Aquilo que parece apoio bem intencionado pode ser um instrumento de cooptação das lideranças populares. Com isso, os militantes voluntários viram assessores remunerados.
Os “Encontros de Formação” a partir da prática dos grupos de base se transformam em “cursos técnicos” conduzidos por assessores e técnicos que, na maioria das vezes, não têm experiência própria do que estão ensinando.
Com isso, os que estão com a mão na massa quase não falam, com medo de errar diante dos assessores e técnicos.
A linguagem é totalmente nova. Introduzida pelos “formadores de opinião”, as palavras do povo são substituídas por palavras de difícil compreensão. Os participantes dos cursos aprendem o palavreado técnico e com isso não conseguem se comunicar bem com o povo. A sua aceitação pela comunidade passa a depender mais do cargo que exerce do que de seu compromisso com a luta do povo.
Como garantir que a Economia Solidária se desenvolva como uma estratégia de libertação do povo e não uma prática reformista?
1. Quem conduz a experiência de Economia Coletiva, deve ter opção por uma Sociedade Comunitária que é o inverso do Capitalismo. E viver coerente com essa opção.
2. A Economia Solidária deve ser integrada à organização geral da Comunidade. Senão for assim, ela é apenas cooperativa e, como tal, é puro economisismo.
Na nossa experiência, a Economia Solidária é apenas uma Coluna entre as 10 Colunas da Comunidade Popular. As outras são: saúde, escola, moradia, infraestrutura, família, religião, esporte, arte e lazer.
3. A Economia Solidária precisa se auto financiar. Não pode depender de financiamento de fora. Quem depende dos outros não tem autonomia, e quem não é autônomo, nunca será livre.
Para a Economia Solidária se auto financiar, é preciso combater o consumismo individualista que existe no meio do povo e incentivar o investimento coletivo.
Em nossa experiência, o GIC é o principal meio de criar a autonomia financeira. Através dele, o dinheiro não volta para as mãos dos ricos. Pelo contrário, circula dentro e entre as Comunidades, beneficiando o próprio povo das Comunidades.
4. O método de trabalho deve ser a Democracia Participativa (LM) e o método educativo de Paulo Freire.
O primeiro garante o princípio de: “Antes de ensinar ao povo devemos aprender com ele”; com isso evitaremos o cupulismo na organização popular.
O segundo garante a participação das pessoas na formulação dos problemas, causas e saída. Com isso evitaremos o método expositivo/impositivo dos intelectuais acadêmicos e dos técnicos burocratas, que praticam a invasão cultural junto aos movimentos populares e, por isso, não educam para a “libertação”, mas apenas para a “inclusão”.
5. Os Encontros de troca de experiências são fundamentais para a formação e firmação dos Grupos de Economia Solidária.
Porém, depende muito de como é feito o Encontro para atingir esses resultados.
A própria realização do Encontro, o local, a data e a duração do Encontro devem ser pesquisadas com os grupos e suas lideranças.
A Pauta (Roteiro) deve chegar aos grupos com tempo para eles se prepararem para o Encontro.
A Comissão organizadora do Encontro deve acompanhar (estar informada) da discussão na base para ir adaptando a pauta do Encontro.
O Encontro deve começar e terminar no horário previsto. O local deve ser ornamentado com o tema do Encontro. Deve ser bem animado com músicas ligadas ao assunto.
A Coordenação deve ter claro qual é o assunto principal, e esse deve ser priorizado.
A Pauta não pode ser maior do que o tempo que tem para discutir.
O Encontro sempre deve partir da experiência contada pelas pessoas da base.
Aos Coordenadores cabe coordenar o tempo, conduzir o debate para que apareçam os problemas, causas e saídas.
Os assessores podem completar as informações, simplificando o que é complexo. Traduzindo em linguagem popular as palavras e conceitos técnicos e acadêmicos. Sempre de acordo com a necessidade dos grupos de base e não dos interesses dos técnicos e assessores.
6. A Economia Solidária deve servir para enfrentar o capitalismo a partir da prática e apontar para a NOVA SOCIEDADE que tanto falamos.
Por isso ela deve ser Independente, Autônoma e de Massas.
A Economia Solidária deve ser a base econômica das Comunidades.
Sua direção deve ser radical (não autoritária) para não ser cooptada pelo sistema que quer incluir as minorias para manter excluída a maioria.
JORNAL VOZ DAS COMUNIDADES – JULHO DE 2010
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