Greve na BR – um ensaio de grande importância
(por: Antony Devalle*)
De 15 a 19 de agosto, trabalhadores da Petrobras Distribuidora (BR) pelo Brasil afora fizeram uma greve contra o plano de venda da subsidiária, que é parte do aprofundamento aceleradíssimo da privatização de todo o sistema Petrobras e, consequentemente, do aprofundamento aceleradíssimo da (re)colonização do Brasil. Ainda que não tenha sido de todos os trabalhadores da BR e tampouco de todas as unidades da empresa, foi uma greve com grande adesão em diversas áreas operacionais e também na sede, o Edifício Lubrax, onde nunca houvera uma greve. Mesmo na sede anterior, que ficava no Edifício Horta Barbosa (Edihb)/Ouro Negro até alguns anos atrás, foi muito raro um movimento desse tipo e ainda mais dessa envergadura. Entrei na Petrobras em 2003 e desde então nunca tinha visto a sede da BR participar de uma greve, e alguns trabalhadores da BR me disseram que apenas uma vez, no final dos anos 1980, houve uma greve ali.
Isso seria suficiente pra expressar a importância dessa greve de cinco dias ocorrida na semana retrasada na BR. Mas tem mais. Essa greve foi o resultado da conjugação de dois fatores principais, na minha avaliação: 1) o anúncio na mídia externa e na mídia de dentro da empresa de que a hierarquia definiu colocar à venda não mais “apenas” uma parte minoritária das ações da BR, mas 51% delas, representando o controle acionário da empresa, o que fez a ficha cair pra muitos trabalhadores, que finalmente entenderam que ou pelo menos tentam evitar essa privatização ou vão correr sério risco de ser demitidos e viver num país com muito menos instrumentos pra buscar uma soberania popular; e 2) um esforço que vem sendo feito desde o ano passado, de forma “subterrânea” e em grande medida “invisível”, sem holofotes, a partir de conversas (presenciais e em meio digital), reuniões, textos e manifestações, esforço do qual participo desde o início, desde quando no máximo cinco pessoas participavam das reuniões. Ao longo de todo esse tempo, sempre estimulei a luta e que ela fosse autônoma, num sentido de não estar subordinada a nenhuma instituição e a nenhum interesse que não o de combater o aprofundamento aceleradíssimo da privatização da BR e do sistema Petrobras como um todo e de buscar uma democratização da Petrobras como um passo pra que se torne do povo, com o povo e pro povo. Não foram poucas as tentativas de alguns setores de instrumentalizar a luta. Critiquei essa postura (um exemplo está no linque https://www.facebook.com/inimigosdorei.petroleiros/posts/1789504327939583). Por outro lado, muitos trabalhadores não queriam se envolver com a luta mais direta e alegavam que agiam assim por causa das tentativas de instrumentalização. Imagino que pra alguns essa alegação correspondesse à realidade e que pra outros era mais uma desculpa conveniente. Conversei com vários deles e, sempre com paciência, procurei convencê-los de que é necessário lutar e que o melhor antídoto contra a instrumentalização interesseira da luta é que o máximo possível dos que não querem essa instrumentalização participem, de modo autônomo e organizado. Considero que obtive algum êxito em ambos os esforços. Alguns outros trabalhadores, tanto da BR quanto da Petrobras e da Transpetro, também foram muito importantes nesse esforço.
A greve foi precedida de algumas manifestações. Além do abraço em torno do Lubrax, no dia 24 de maio (no mesmo dia, de manhã cedo, foi realizado um ato na Gerência Industrial da BR em Caxias, a GEI), e do abraço em torno do Edifício Senado, em 12 de julho (https://www.facebook.com/inimigosdorei.petroleiros/posts/1809647282591954), no qual vários trabalhadores da BR participaram, duas manifestações foram organizadas de forma completa por trabalhadores da BR. Ambas foram na porta do Lubrax, começando um pouco antes do horário do almoço e durando mais ou menos duas horas, e reuniram cerca de 500 pessoas (a primeira) e 250 pessoas (a segunda), de um total de cerca de 2500 trabalhadores no prédio, dos quais quase 1300 empregados próprios. Levando em consideração que uma parcela é gerente (a imensa maioria dos gerentes não participa do movimento classista dos trabalhadores) e sempre tem quem esteja em período de férias ou de licença médica, foi uma participação relevante de trabalhadores. É possível considerar que quase a metade dos empregados próprios do Lubrax tenham participado em algum momento dessas manifestações.
A greve foi um pedido de muitos trabalhadores. Foi muito mais obra direta dos próprios trabalhadores, de modo mais amplo, do que de uma diretoria sindical chamando o conjunto da categoria. E isso é uma expressão, ainda que insuficiente, do que defendi em todos os momentos: os próprios trabalhadores tomarem em suas mãos a responsabilidade da luta. Não delegarem a luta nem lutarem se subordinando ao que os “dirigentes” disserem, mas cada uma e cada um ajudando a construir a luta, em diversos aspectos. Considero que parte importante das trabalhadoras e dos trabalhadores da BR agiu de modo condizente com uma linha que defendi em diversos momentos, inclusive na assembléia no Lubrax que aprovou a proposta de greve de 5 dias: entender essa greve como um importante ensaio pruma greve maior, a ser realizada mais pra frente, por tempo indeterminado, de preferência junto e articulada com uma greve, também por tempo indeterminado, na Liquigás, na Transpetro e no conjunto do sistema Petrobras. Como ressaltei em vários momentos, se tratava de um ensaio porque, por mais importante que fosse fazer cinco dias de greve, a hierarquia sabia que terminaria no quinto dia e podia, assim, se planejar muito melhor pra fazer frente à situação. E era muito importante porque, em geral, se não treinamos bem, não jogamos bem. Além disso, era importante mostrar pra hierarquia e pra nós mesmos do que somos capazes. A hierarquia tentou convencer os trabalhadores a não participar da greve. Tanto tentando apelar pro sentimento de responsabilidade em relação à empresa, dizendo que a greve nesse momento seria prejudicial pra empresa (interessante que isso é dito em todos os momentos) quanto ameaçando informalmente. Isso não inviabilizou a greve. Isso muito importante. Na greve-ensaio, foi possível testar algumas táticas, buscando adequá-las o máximo possível à realidade de cada local de trabalho; foi possível sentir na pele alguns obstáculos, tanto colocados pela hierarquia quanto por insuficiências do campo dos trabalhadores; se conseguiu gerar algum impacto em termos de desabastecimento de combustíveis em alguns estados e alguma repercussão na chamada grande mídia, embora ainda menor do que o necessário e com um viés mais pra fórmula já batida, mas que ainda funciona, de focar nos (supostos) inconvenientes pro chamado cidadão comum e, assim, desmerecer o movimento grevista do que na importância da greve e do seu objetivo, que era combater a venda da BR e o aprofundamento aceleradíssimo da privatização do sistema Petrobras. É importante que nós, trabalhadores, façamos, do modo mais amplo possível, um balanço coletivo dos erros e acertos dessa greve, com vistas a melhorarmos pra próxima.
Em síntese, o mais importante dessa greve foi uma parcela considerável dos trabalhadores da BR entrarem em campo. Como expressei diversas vezes, o pior cenário é perdermos por WO, ou seja, por nem entrarmos em campo. Outro aspecto de grande importância foi a ida de trabalhadores da BR em greve no abraço em torno da sede da Transpetro, no final da tarde de 16 de agosto, expressando que a luta contra a privatização de cada parte da Petrobras é de todos e não apenas dos que trabalham na parte atingida. Além disso, foi no contexto da preparação pra greve que foi constituída uma comissão de base de trabalhadores do Lubrax.
Diante da gravidade do cenário, a greve, apesar de muito importante, foi insuficiente. Muitos empregados ainda preferem as pílulas “tranquilizantes” fornecidas pela hierarquia (https://www.facebook.com/inimigosdorei.petroleiros/posts/1815882785301737). Um passo muito significativo foi dado. Mas não devemos subestimar os obstáculos que ainda são imensos. E ainda tem o perigo dos oportunistas, papagaios de piratas que costumam chegar em cima da hora pra sair na foto com destaque como se tivessem carregado o piano (na sociedade do espetáculo em que vivemos, eles têm um terreno fértil), e/ou que estimulam, na prática, que se deixe de lado a autonomia, que é algo difícil, trabalhoso e frágil, em prol de atalhos que, em grande medida, acabam reforçando ilusões que beneficiam os que não querem um horizonte de autonomia mais profunda da classe trabalhadora e do conjunto do povo trabalhador. Diante da gravidade do cenário, da necessidade de tentar evitar a privatização, muitas pessoas tendem a minimizar esse problema do oportunismo. Mas ele costuma cobrar um preço alto.
*Antony Devalle é integrante do grupo de base petroleiro Inimigos do Rei e militante da tendência político-social Organização Popular – OP
Comentar