Para Que (ou quem) Lutar pela Tarifa Zero?
Por que pagamos passagem?
Já parou para pensar que em meio a diversos serviços públicos gratuitos, apesar de sucateados com interesses políticos e empresariais, existe um pago? Se o transporte é público, por que nós pagamos? E por que pagamos tão caro?
O que ocorre é que a lógica por trás da mobilidade urbana é a lógica do lucro. Quando o Estado cede à iniciativa privada o direito de prestar um serviço de interesse do povo, está transformando uma necessidade cotidiana da população em oportunidade financeira para uma minoria que não precisa utilizar deste serviço.
O dinheiro que pagamos para nos locomover serve para garantir os lucros desta minoria. Basta vermos como todos os anos ocorre um aumento na tarifa de ônibus, e que este aumento não se traduz em melhorias do serviço ou em aumento de salário dos trabalhadores rodoviários. A cada ano, os empresários garantem a manutenção de seus lucros exorbitantes através do encarecimento do transporte público.
Ou seja, os (atualmente) R$ 4,05 que pagamos cada vez que precisamos nos mover pela cidade servem para tornar as empresas de ônibus, muitas vezes envolvidas em esquemas de corrupção com o governo, como visto recentemente com o prefeito Rodrigo Neves, cada vez mais ricas, enquanto nós ficamos cada vez mais pobres.
Por que devemos lutar pela tarifa zero?
A tarifa zero é, talvez, uma das pautas mais importantes levantadas pelos movimentos sociais. Mas por que ela possui essa importância toda? Por que eu deveria dedicar meu tempo para lutar por um transporte público gratuito? Por que ir às ruas por míseros centavos de aumento?
A luta pela tarifa zero é essencial pois ela está inserida em todas as outras lutas, assim como na vida da grande maioria da classe trabalhadora. Quando vamos trabalhar, precisamos pegar um ônibus. Para estudar, pegamos um metrô. Para lutar por alguma pauta, precisamos, primeiramente, pagar a tarifa para ir à manifestação ou à assembleia. Ou seja, para qualquer atividade que venhamos a fazer, necessitamos pagar por ela.
Por isso, é impossível dizer que possuímos qualquer direito enquanto não tivermos garantido nosso direito de ir e vir. Se é necessário pagar para se locomover, então este direito não existe. Precisa pagar para chegar ao hospital? Então não existe saúde gratuita. Precisa pagar para ir à escola? Então não existe educação gratuita.
Se vivemos na lógica do Estado democrático de direito, devemos questionar o tempo todo até onde esses direitos são reais. Será que temos direito à cidade? Será que podemos ir onde quisermos? Será que a lógica do lucro que permeia o serviço de transporte não nos impede de ter acesso ao lazer e a cultura? Quanto você gasta para ir da sua casa à praia, por exemplo? Quantas vezes deixou de sair pois não tinha dinheiro para a passagem? Se os cidadãos têm o direito de ir e vir garantido pela constituição, então isso nunca deveria acontecer. Se acontece, então este direito é uma falácia.
Lutar pela tarifa zero não é apenas lutar para que o transporte coletivo seja de fato público, é também lutar para que a educação seja pública, para que a saúde seja pública, para que o acesso à cultura e ao lazer seja garantido e para que a cidade seja para todos e todas. Lutar pela tarifa zero é lutar por uma cidade mais popular e acessível. É lutar pelo direito de ir e vir. É lutar pelo direito à cidade. Lutar pelo transporte público gratuito é lutar por várias pautas em uma.
Qual o modelo ideal de transporte?
Há muita polêmica quando se trata do tema pois existem diversas concepções, inclusive entre os militantes que levantam a bandeira da tarifa zero, de como deveria funcionar o transporte público no Brasil. Uns falam em estatização total, outros falam em financiamento estatal à iniciativa privada, mas será que existe outra opção?
Um fator não costuma ser levado em conta quando se trata do modelo de transporte público ideal: os trabalhadores. Será que estatizando completamente o serviço e deixando para o governo a administração haverá uma melhora nas condições de trabalho e na remuneração dos trabalhadores rodoviários? Afinal, quando pensamos o modelo de transporte público que queremos, é um erro gravíssimo não pensar na realidade dos motoristas e cobradores, pois são eles, talvez, os afetados mais diretamente por este modelo. Atualmente, além de mal remunerados, os rodoviários são submetidos à condições de trabalho desumanas, principalmente após a introdução da dupla função nos ônibus do Rio de Janeiro. Além de ser um trabalho dobrado pelo mesmo salário, a dupla função representa um risco à vida dos trabalhadores e dos usuários de ônibus.
Então qual modelo defendemos, tendo em mente que nossa causa não passa apenas pela gratuidade dos transportes, mas também pela melhora da qualidade de vida dos trabalhadores do setor?
Tarifa zero com gestão popular.
O que seria isso? Isso é possível?
A gestão popular nada mais é do que dar aos trabalhadores rodoviários o controle total e direto do serviço de transporte público. Transformar as empresas de ônibus, que hoje exploram estes trabalhadores e oferecem um serviço desumano aos usuários em troca de um lucro exorbitante, em cooperativas nas quais os trabalhadores gerem o negócio e agem de acordo com suas necessidades e com as necessidades do povo que utiliza o serviço. Construir cooperativas autogestionadas que oferecem transporte público gratuito e de qualidade tanto para os usuários quanto para os motoristas pode parecer utópico, mas é uma possibilidade concreta.
Como devemos lutar?
Na sessão anterior, talvez tenhamos causado algum tipo de estranhamento em relação ao nosso objetivo. Por isso, é importante deixar claro que a luta é processual. Sabemos que não alcançaremos o que propomos de um dia para o outro, talvez nem mesmo de um ano para o outro, mas é importante que tenhamos um objetivo de longo prazo para nortear nossa luta no curto prazo. Se hoje nos concentramos em impedir que a tarifa continue aumentando, amanhã, se nossos esforços forem vitoriosos, podemos estar nos concentrando em fomentar a organização dos trabalhadores rodoviários em cooperativas.
Mas quais métodos de luta devemos adotar? Lançar candidatos? Pedir apoio a partidos políticos?
Muito pelo contrário. A experiência histórica de luta pela tarifa zero, mesmo quando esta se dá em contextos de resistência, como nas manifestações contra o aumento das passagens, nos mostra que quanto mais massificada e combativa é a luta, mais resultados positivos ela trás. Portanto, nosso objetivo deve ser o de construir um movimento forte e combativo, independente de partidos políticos ou ONG’s, que reúna trabalhadores, trabalhadoras, usuários e usuárias do transporte público e aponte para a construção deste novo modelo.
É de extrema importância que a luta se dê por meio da ação direta. É impossível conquistarmos nossas pautas por meio da política formal, pois é lá onde prevalecem e sempre prevaleceram os interesses dos grandes empresários, entre eles os donos de empresas de ônibus, que muitas vezes estão envolvidos em esquemas de corrupção com parlamentares. Por isso, nossa luta não se dá no parlamento ou em qualquer espaço da política burguesa, mas fora dele. E não apenas fora dele, como contra ele.
Nossas táticas de luta devem deixar bem claro nosso descontentamento com a situação atual do transporte assim como com a situação atual da política parlamentar. Devemos mostrar que podemos e devemos fazer política fora do Estado, junto ao povo e à favor do povo. Catracaço, manifestações, trancamento de ruas, ocupações, piquetes devem estar em nosso horizonte quando falamos em luta, mas também rodas de conversa, debate público, cinema popular, panfletagens e diversas outras formas de diálogo com a população.
Em um eixo, combatemos, em outro, dialogamos. Sempre lembrando da máxima “paz entre nós, guerra aos senhores.” É necessário deixar claro para todo o conjunto da classe trabalhadora as razões pelas quais travamos esta luta. Jamais devemos esquecer a classe à qual pertencemos, e não devemos medir esforços para aglutinar o maior número de pessoas possível nesta luta.
Escrito por: Zero
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